blog filosófico, cultural e político
Domingo, 29 de Agosto de 2004
ESCADAS DE INCÊNDIO
Ali ao lado do seu quarto
eu podia ouvir os seus sonhos
mesmo os mais silenciosos-
sonhos diferentes de tudo quanto imaginava.
Umas vezes beijava
a boca de um cântaro
e o sabor da argila entrava
pela noite dentro.
Outras abria deslumbrado uma porta
junto ao mar
para onde davam as escadas de incêndio.
Outras ainda surgia devagar
com a lua em crescente
cortando-lhe a garganta
e fazendo correr um leve fio de sangue
em tudo o que era estranho
nesta simplicidade.
HENRIQUE DÓRIA- Escadas de Incêndio
Sábado, 28 de Agosto de 2004
RENÉ MAGRITTE- Invenção Colectiva
Sexta-feira, 27 de Agosto de 2004
NA PRAIA
Eram mil vagas ou astros
mais que muitos um brilho cheio
da luz de Vénus desceu sobre nós dois
ajeitaste-me os membros lassos depois
procuraste. Encontraste. Encontrei. Então
foi tempo de cantar um canto aos peixes
napolitana a Lua gingava guizos
de ver prazeres metais sonoros
os pirilampos como que atiravam beijos claros
fugidos perdidos pelo resto da noite.
ULLA HAHN - A Sede Entre Os Limites
...
- A misericórdia humana constrói destes castelos, para que os ricos não assistam ao sofrimento dos pobres. E fê-los de pedra, de granito bem sólido, para que se não ouçam os gritos cá fora.
RAÚL BRANDÃO - Os Pobres
Terça-feira, 24 de Agosto de 2004
FAHRENEIT 9/11, de Michael Moore
Uma camarilha sinistra e sem princípios governa a América. E, governando a América, governa o mundo. É a mensagem que se retira do filme documentário de Michael Moore, Fahreneit 9/11, que obteve a Palma de Ouro do Festival de Cannes, neste ano de 2004.
Já escreveram alguns que se trata de um trabalho de simples ( simplista até) propaganda a favor do Partido Democrático. Pensamos que não. É que se GW Bush e a camarilha que o envolve na Casa Branca e, de um modo geral, nas teias do poder na América, é colocada na grande cloaca do mundo, o Partido Democrático também não sai lá muito bem da fotografia.
Vejam-se as cenas pungentes no Senado americano em que, perante a evidência de fraudes gravíssimas nas eleições no Estado da Florida, governado pelo irmão de G W Bush, os vários representantes locais dos eleitores que vieram ao Senado denunciar, por escrito, como obrigava a lei, essas fraudes, não conseguiram obter a assinatura de um único senador democrata, incluindo All Gore, imprescindível para que as fraudes fossem discutidas no Senado.
Por outro lado, a passividade do Partido Democrático perante situações tão graves como a saída, por avião, de vinte e cinco elementos da família Ben Laden sem serem interrogados pela polícia, quando se sabia que os atentados tinham sido levados a cabo por Ben Laden, e quando era estritamente proibido qualquer voo nos céus da América, depois dos ataques de 11 de Setembro. E a mesma passividade perante a evidência de que a administração Bush permitiu a Ben Laden um avanço de dois meses de modo a levar a cabo com absoluto sucesso a sua fuga, quando, se agisse com rapidez, poderia facilmente tê-lo apanhado - a passividade do Partido Democrático nessas circunstâncias demonstra a existência de um partido frouxo, acomodado, sem coragem para enfrentar as grandes e complexas questões que a América teve de enfrentar na sequência do 11 de Setembro.
Fahreneit 9/11 não deixa, porém, quaisquer dúvidas de que a administração Bush é o que há de mais currupto e mais podre na sociedade americana. E que o que guia G W Bush e a sua camarilha é o uivo do dinheiro, em particular do dinheiro que vem da Arábia Saudita e, em particular, da família Ben Laden.
Michael Moore demonstra no seu filme que, para se perceber o 11 de Setembro e todo o comportamento da administração Bush depois dessa data terrível para a América, teremos de ter em conta o seguinte:
A família real da Arábia Saudita e a família Ben Laden a esta estreitamente ligada detêm 7% ( sim, sete por cento!) de toda a economia americana.
Os gestores do essencial desses 7% são precisamente a família Bush e a gente que lhe é mais próxima no poder.
Daqui se depreende todo o comportamento dúplice de G W Bush, e a invasão do Iraque.
Por outro lado, Michael Moore dá-nos uma imagem muito fiel à realidade da personalidade de G W Bush. Dizia Santo Agostinho que o rosto é o espelho da alma. E Michael Moore passa grande parte do filme a mostrar-nos o rosto verdadeiro de G W Bush verdadeiro porque anterior às maquilhagens e ao espectáculo devidamente encenado que dele nos dão as televisões.
Aquela repetição dos três minutos que Bush tem de esperar pelo ida para o ar da emissão televisiva, os seus esgares, os seus tiques, o vazio mental que se depreende do seu rosto, naqueles três minutos, são uma extraordinária imagem da personalidade daquele que é, neste momento, o senhor do mundo.
Depois, aquela longa espera de 7 ( sete!) minutos pela reacção de Bush à informação que lhe fora dada pelo seu staff da tragédia que o país acabava de sofrer com o ataque às torres gémeas, a filmagem implacável daquele rosto primeiro com ar de idiota, e, depois, com ar de canalha, aquele rosto que assim se apresentava nu e igual a si próprio, ao mundo, são dos momentos mais notáveis deste filme documentário, em que os personagens reais são actores, e a ficção é a própria realidade filmada.
E é nisso que Fahreneit 9/11 é absolutamente inatacável: o que nos mostra não é uma encenação, mas um conjunto de filmagens da própria pessoa de G W Bush, da sua família ( pai incluído) e da gente sinistra que com ele domina a actual administração americana. Gente com uma alma feia, como o é a verdadeira face da Secretária de Estado (Ministra dos Negócios Estrangeiros) Condolesa Rice, onde a ambição sem escrúpulos e o cinismo surgem estampados no seu rosto sem máscara.
Porque tudo na administração Bush é máscara e disfarce.As suas ameaças a Ben Laden escondem os negócios que tem com a família que, como o filme demonstra, não cortou relações com Ossama. O seu ataque ao Afeganistão não passa de uma fantochada, como fantoches são os gestores que Bush colocou à frente do Afeganistão, a começar pelo seu Presidente, cúmplice nos negócios da família Bush. O seu ataque ao Iraque não passa de outra fantochada, para desviar a atenção do povo americano da sua estrutural incapacidade para gerir o país ( como o foi para gerir as empresas em que se meteu antes de ser Presidente), da sede de dinheiro dele e da clique que o rodeia, da sua falta de vontade de capturar Ossama Ben Laden e o seu exército de fanáticos.
Sem ser propriamente um grande filme, Fahreneit 9/11 é um documentário de uma verdade cruel sobre os tempos de hoje .
Desde a fraude ostensiva que foi a eleição de Bush, à manifesta incapacidade e displicência para gerir o país no seus primeiros meses de Presidência, ao 11 de Setembro e ao comportamento de G W Bush perante a tragédia que atingiu a América ( e é aqui que Fahreneit 9/11 tem os seus melhores momentos), às ligações da família Bush à família real saudita e à família Ben Laden, à invasão do Iraque e à falsidade da sua motivação, e, finalmente, aos horrores da guerra.
Um filme /documento que é imprescindível ver.
HENRIQUE DÓRIA
Domingo, 22 de Agosto de 2004
...
A ternura é húmida.
O mundo é feito de dor - a vida é feita de ternura.
RAUL BRANDÃO - Húmus
Sexta-feira, 20 de Agosto de 2004
DE NOVO GEORGE STEINER
Após umas férias que me levaram através do Portugal mais interior, de Bragança a Serpa, passando por Freixo de Espada à Cinta, Sortelha e Marvão, entre outros lugares belíssimos, descubro outro livro de GEORGE STEINER, um conjunto de entrevistas dadas a Antoine Spire, com o título BARBÁRIE DA IGNORÂNCIA.
De novo STEINER volta a fascinar-nos e inquitar-nos. Transcrevo uma passagem desse livro:
" Cito três problemas que, neste momento, são objecto de discussão...: a criação artificial da vida, os buracos negros ( que são os limites do universo) segundo a teoria de Hawking e Penrose, e a afirmação de Crick - que, com Watson, descobriu o ADN -, segundo a qual o ego cartesiano, a consciência, são uma neuroquímica que em breve conheceremos. Por comparação com isto...até mesmo os romances superiores, os mais finos, me parecem quase pré-históricos."
Esta afirmação, vinda de alguém que dedicou a vida a escrever sobre a literatura, fascina-nos e perturba-nos.
A estes objectivos supremos a investigação científica actual eu acrescentaria um outro, o do teletransporte de informação - ou mesmo de matéria - que ontem foi objecto de uma experiência conseguida em Viena.
A ciência trouxe à arte a consciência dos seus limites.
Mas creio que nos trouxe também, com nova premência, a consciência dos limites da própria ciência: afinal, apesar dos seus triunfos, de todo o fascínio que a ciência nos causa, ela não conseguiu resolver o essencial dos problemas de grande parte da Humanidade: a miséria, a fome, a ignorância, o sofrimento, a barbárie.
E é isso que torna a necessidade de reflexão e acção política um imperativo.
Se o socialismo real falhou, como setenta anos o mostraram, o capitalismo real também não serve o homem, como duzentos e setenta anos também o demonstraram.
Como refere STEINER, "nunca o uivo do dinheiro se fez ouvir como hoje por todo o planeta."
Há que conseguir um novo paradigma, há que descubrir lugares de fractura para que o Homem volte a ser o destino do homem.
Domingo, 1 de Agosto de 2004
ERAS UMA MAÇÃ DENTRO DO MEU SONHO
Eras uma maçã dentro do meu sonho
E deambulavas no imenso-ventre azul
Do céu sem fundo
E aí eras a semente-dourada
Que iria tornar o meu corpo incandescente
-E o mundo
HENRIQUE DÓRIA - Mar de Bronze
...
Será que a felicidade só pode nascer do ovo escuro do sofrimento, ou é o sofrimento que transporta em si os limites da felicidade?
SANTANA LOPES contra DURÃO BARROSO
Afirma Lopes:
" Não vou cantar hossanas quanto a tudo o que foi feito em Portugal. Impressionou-me o muito que não foi feito"
Independentemente de Santana já estar a jogar à defesa, creio ser esta a primeira frase em que estou de acordo com ele.
HENRIQUE PRIOR