blog filosófico, cultural e político
Sexta-feira, 30 de Setembro de 2005
MAGRITTE-Saudade
Sábado, 24 de Setembro de 2005
FICAREMOS NOS LIMITES DA LUZ
Ficaremos nos limites da luz
lutando entre o anjo e a beleza
para que os pássaros de jade
possam voar no dia da transfiguração?
Escuta: o vento
que toma com a noite a tua casa
e faz surgir o abandono
a solidão a cólera
e estas montanhas que crescem
na fronte do céu
é o caminho do sol,
transforma os homens em animais de esperança
como o áspero escultor.
E só assim
cada um de nós
poderá entrar no enigma que é.
HENRIQUE DÓRIA-Círculo da Terra
Sexta-feira, 23 de Setembro de 2005
VERMEER- A Alcoviteira
O DEBATE MENSAL NO PARLAMENTO
O debate que, mensalmente, o Governo vai fazer no parlamento com a oposição teve o ensino como tema principal. E ainda bem, porque esse é o principal problema do país. Felizmente que, este ano, não ocorreram as situações de atraso e confusão lamentáveis que ocorreram em anos anteriores com a colocação de professores e o início do ano escolar. Mas isso é uma parte do problema, e temos de estranhar que ainda seja uma parte do problema.
O problema essencial é por um lado, a dificuldade de acesso ao ensino e à qualificação por tantos portugueses, e, por outro, a falta de qualidade, em termos gerais, do nosso ensino em todos os graus.
Os números são conhecidos, e não interessa aqui repeti-los. Interessa sim referir que a medida de qualificar aqueles que já se encontram no mercado do trabalho, e não dispõem de qualificações, anunciada pelo governo, acentuando a vertente profissionalizante do ensino, é, sem dúvida, uma excelente medida. Como o foi já o prolongamento do período de permanência do alunos na escola.
Mas há problemas que subsistem e outros que até se agravam.
Um problema que subsiste é o das aulas de noventa minutos no ensino básico. É suficientemente sabido que a capacidade de concentração das crianças e dos jovens até cerca dos 15 anos não ultrapassa os 45 minutos. Porquê, então, persistir em manter aulas de 90 minutos no ensino básico, quando o rendimento dos segundos 45 minutos é muito baixo?
Outro problema é o da falta de formação pedagógica de muitos professores, que o Governo persiste em ignorar.
Outro ainda é a falta de estruturas para tornar eficaz a boa medida de aumentar o tempo de permanência dos professores nas escolas. Por falta de estruturas, os professores amontoam-se nas escolas sem poderem trabalhar com um mínimo de eficiência.
Recentemente, foi tomada uma medida totalmente impensada pelo Governo. Os professores que faltem aos primeiros 45 minutos de uma aula de 90 minutos terão falta a toda a aula. Trata-se de um disparate, pois os professores faltam frequentemente por atrasos nos transportes ou por necessidade de tratar de problemas pessoais ou de familiares, e qualquer professor que, por qualquer desses motivos, falte aos primeiros 45 minutos, já não vai aos segundos porque tem falta mesmo que leccione. Quem são prejudicados são, obviamente, os alunos.
Bom seria que o Governo tivesse em conta todos estes pequenos/grandes problemas do ensino, para que a aposta que faz possa resultar.
HENRIQUE PRIOR
Segunda-feira, 19 de Setembro de 2005
UMA PALAVRA DE CASANOVA
"Ela sabia", diz Casanova de uma alcoviteira, " que eu não teria coragem de me ir embora sem lhe dar nada." Estranha afirmação. Que coragem seria necessária para enganar a alcoviteira com a sua paga? Ou, mais exactamente, que fraqueza é essa com que ela pode sempre contar?É a vergonha. A alcoviteira vende-se, mas não a vergonha do cliente que solicita os seus serviços. Este, cheio de vergonha, procura um esconderijo e encontra o mais escondido de todos: o dinheiro. O descaramento lança a primeira moeda sobre a mesa; a vergonha paga mais cem para a encobrir.
WALTER BENJAMIM- Imagens de Pensamento
Segunda-feira, 12 de Setembro de 2005
A NOITE APOIA-SE SOBRE OS OMBROS
A noite apoia-se sobre os ombros
Subitamente mais doce que o amanhecer.
Lábios percorrendo o rio
Medalhões de ouro
Solidão erguida
Frente a outra Solidão
Mãos que se estendem
À Ursa Maior...
Esquece-se o universo
As leis o pensamento a amargura.
Pórtico de gnomo
E átrio do cíclope
Nos hã-de conduzir à eternidade.
HENRIQUE DÓRIA-Círculo da Terra
Domingo, 4 de Setembro de 2005
O INFERNO DO PARAÍSO
A América costuma apresentar-se ao mundo como o paraíso da liberdade e do bem estar na terra. Mas essa imagem, transmitida sobretudo pelos conservadores americanos, chocou agora brutalmente com a catástrofe de Nova Orleães.
Em primeiro lugar ficou demonstrada a incapacidade dos sistemas americanos de protecção civil e de segurança.
O sistema de protecção civil americano tem visto os seus fundos diminuir com a administração ultraconservadora de Bush. Mas, para além disso, mostrou uma incapacidade que o coloca ao nível do terceiro mundo. Para o comparamos com o que se passa em Portugal, que não é, propriamente, modelo de eficiência, basta pensarmos na forma como foi feita a repatriação e protecção dos retornados de África para sentimos que não somos assim tão maus como isso.
Quanto ao sistema de segurança, basta ver a forma impune como actuam grupos armados violentos nos estados americanos assolados pelo furacão Katrina, roubando e assassinando a esmo cidadãos indefesos, para se perceber quanto falhou o sistema de segurança americano. Nem na Indonésia, na Índia ou no Ceilão, varridos pelo Tsunami, o sistema público de segurança mostrou tanta ineficácia. O que é de espantar num país que elege a segurança como primeira prioridade.
Depois, e não menos importante: o desprezo do poder pelo sofrimento dos humildes é verdadeiramente revoltante. Bush quase passou ao lado da catástrofe. Condoleza Rice, senadora negra por um dos estados mais afectados pelo furacão, o Alabama, divertia-se e comprava tranquilamente o centésimo par de sapatos para a sua colecção, enquanto os negros que a elegeram morriam ou sofriam horrivelmente, atolados nas águas e na lama.
Finalmente, o Katrina mostrou bem a verdadeira face do sistema americano de vida: os programas económicos furiosamente neoliberais levados a cabo pelos conservadores destruíram totalmente o sistema de segurança social americano, e, face a uma tragédia, os pobres da América que conseguiram sobreviver à catástrofe não têm outro recurso senão recorrer à caridade dos poderosos americanos que ainda têm alguma caridade.
A economia neoliberal está a produzir nos países que a seguem, ou dela sofrem os efeitos, incluindo Portugal, uma concentração de riqueza nos que já a detêm verdadeiramente escandalosa.
A América é um país imensamente rico. Poderia ser um paraíso na terra. Mas, para uma população cada vez maior de pobres, os conservadores americanos estão a criar um inferno cada vez maior nesse paraíso.
Sábado, 3 de Setembro de 2005
AMOR AO CAMPO
Mas não devemos enganar-nos.O nosso amor ao campo é uma mera afeição à paisagem, à Natureza como espectáculo. Nada de menos camponês e, se me permitem, menos natural que um paisagista.Depois de Jean-Jacques Rousseau, o genebrino, espírito farto da vida citadina, a emoção camponesa, essencialmente geórgica, de terra que se lavra, a vigiliana e a do nosso grande Lope de Vega, porém, desapareceu. O campo para a arte moderna é uma invenção da cidade, uma criação do tédio urbano e do terror crescente às aglomerações urbanas.
ANTÓNIO MACHADO- Juan de Mairena