Alguém escreveu no INCOMUNIDADE que o Mário se pôs a andar.
Pôs-se a andar, não.Ela é que o pôs a andar. Ela, a Senhora Dona Morte. De certeza porque o Mário era um homem muito inteligente e previa bem o futuro é que ele não gostava de mulheres. Ele bem sabia o que há muito ela lhe estava a tramar.
Às vezes deslumbra-nos a água
o súbito voo
a antiga estrela
com o seu interior emudecido.
Depois os lábios
que esperam contra a sombra
e essa estranha e dupla solidão
encontram em espasmo a antiga inocência.
Barcos que o azul levou
pétalas que se erguiam quando tocadas
lágrimas inquietas como orlas do mar
-e a noite onde o silêncio arde
em ansiedade
como o olho da águia.
HENRIQUE DÓRIA-Círculo da Terra
Pensar em Deus, para mim, é pensar no Nada que é Tudo, na insondável ligação que há em Tudo, e entre o Tudo e o Nada.
E na luz íntima de Tudo.
HENRIQUE DÓRIA-Fragmentos
Há seis anos, num texto publicado num jornal, escrevi que o grande problema de George Bush e dos que o rodeavam era ignorarem a história, ignorarem o que sucedeu a Alexandre o Grande quando, há 2.400 anos, se quis meter no vespeiro do Afeganistão. Alexandre O Grande era não só um grande general, mas também um astuto político. E percebeu que, em vez de se meter numa guerra, o melhor seria casar com uma princesa local, obter a adesão de um potentado, respeitar os seus costumes, para dominar aquelas terras hostis.
Sustentado na sua arrogância imperial, pensaram Bush e os que o rodeavam que fácil seria conquistarem pelas armas o Afeganistão e o Iraque, e colocarem lá gente da sua confiança, que tudo correria pelo melhor.
Percebeu agora quanto estava errado. A América estava a arriscar-se a ter uma derrota ainda mais estrondosa, e, sobretudo, muito mais perigosa do que aquela que teve no Vietnam.
Bush percebeu isso. E suspeito que a vitória dos democratas foi recebida por ele com alívio, pois é a melhor forma de retirar do Iraque sem perder a face.
Mas, quer para Bush quer para aos democratas que vão co-governar a América nos próximos dois anos, seria bom que lessem, pelo menos em resumo, a obra de um grande autor grego: Anabase, de Xenofonte.
A Anabase de Xenofonte narra a expedição e retirada de cerca de 10 mil gregos que entraram na Pérsia para ajudarem Ciro, o Moço, na luta pelo poder contra seu irmão Ataxerxes. Derrotados na batalha de Cunaxa, os homens que restaram da expedição grega voltaram para a Grécia através de sofrimentos enormes, sendo a chegada à Grécia só possível pela condução sábia de cinco generais, o mais destacado deles o próprio Xenofonte.
Foi já há muitos anos que li essa obra, mas ainda hoje recordo a emocionada exclamação dos gregos ao chegarem ao mar, sabendo que do outro lado estava a Grécia: Talassa! Talassa! ( Mar! Mar!).
Nele Bush e os democratas encontrarão muitas lições sobre como deverão retirar do Iraque sem um sofrimento insuportável para os soldados americanos, que, juntamente com os iraquianos, foram quem mais sofreu nesta guerra.
Para se entrar na função pública, no tempo de Salazar, qualquer cidadão teria de assinar um documento em que afirmava a sua concordância com a governação de Salazar e do seu partido único, a União Nacional. O ditador de Santa Comba Dão identificava-se a si próprio e ao seu partido como sendo todo o país e todos os partidos. E nunca deixou de considerar isso como uma democracia, pelo menos depois de que as democracias triunfaram na Segunda Grande Guerra Mundial.
O Presidente da Câmara do Porto, Dr. Rui Rio, dá-nos agora uma versão actualizada do salazarismo. Para qualquer instituição que no exercício das suas funções, quer ( ou sobretudo) culturais, quer sociais, o Dr. Rui Rio exige a assinatura duma declaração de que não põem em causa aquilo a que ele chama o bom nome do Porto.
O conteúdo da declaração é, no fundo, o mesmo: para poder trabalhar, qualquer pessoa ou instituição tem de se comprometer que se conforma com o modo como o Dr. Rui Rio governa o Porto e abster-se de o criticar. A ditadura que Salazar exercia no país, exerce-a agora o DR. Rui Rio no Porto, nos moldes possíveis num país democrático.
Mas não é só nisso: o Dr. Rui Rio está a fazer na Câmara do Porto uma limpeza de todos os que são suspeitos de pertencerem à oposição, para nela instalar os filiados na sua União Nacional, o PSD. Está a ser uma 28 de Maio silencioso no meios de comunicação social, embora não dentro da Câmara onde o mal estar entre os funcionários está instalado, e as saídas da Câmara por alguns funcionários já não poderem aturar o Dr. Rui Rio e os seus homens ou mulheres de mão se aceleram.
O Dr. Rui Rio está assim a conseguir o seu objectivo: encher a Câmara dos seus homens de mão, como Salazar encheu o país dos homens da União Nacional.
Claro que tudo isto só é possível pela passividade da liderança do principal partido da oposição, o Partido Socialista, cujo apagamento, ressalvando alguns esporádicas intervenções do Dr. Francisco Assis, é confrangedor.
Face à passividade do PS sobre a actual situação na Câmara do Porto, resta aos cidadãos, particularmente às instituições e grupos de intervenção cultural, lutarem, como o têm feito, contra o ataque à cultura e à democracia que o Dr. Rui Rio está a levar a cabo na Câmara do Porto.
É um dever de todos os cidadãos livres e que amam a cultura dizerem ao Dr. Rui Rio: basta.