O Espírito da Viagem
Li há anos, já não me lembro onde, que a civilização ocidental, tal como hoje existe, tem as suas grandes raízes na Civilização Grega e na Civilização Occitana.
Pouco recordava das cruzadas contra os Albigenses, da destruição de uma civilização cristã levada a cabo por outros cristãos. Parece que os cátaros, ou albigenses, pouca importância têm para os homens dos tempos modernos. São como que uma lenda perdida na bruma.
Mas, este ano em que se completam sete séculos sobre a aniquilação da Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Jerusalém, mais conhecida por Ordem dos Templários, uma reflexão sobre os templários levou-me a uma reflexão sobre os Cátaros e a sua aniquilação, levada a cabo pelo mesmo poder: a Igreja Católica Romana.
Comecei por compreender a primeira grande interrogação dos Cátaros: como poderia Deus, ser infinitamente bom, ter criado o mal, o sofrimento e a morte?
Vinham, depois, outras grandes interrogações:
E que valor tem a matéria necessariamente destinada à corrupção e à morte?
Onde estará a salvação do Homem?
As respostas dadas pelos cátaros a estas perguntas foram as que decorriam necessariamente do espírito do ano mil, quando a guerra a peste e a fome levavam os homens a voltarem-se para o espírito, para o imaterial, para Deus, como única resposta para a origem e destino do Homem.
Acreditavam os cátaros: Deus, infinitamente bom, criou o espírito, e foi um ente maléfico que envolveu o espírito num manto de matéria para o fazer sofrer e para o perder.
Só liberto da carne o espírito será salvo.
Para os cátaros era blasfemo dizer que Cristo tinha encarnado, porque Deus, o puro e eterno espírito, nunca poderia fundir-se na impura e efémera carne.
O Homem não foi redimido pela cruz e pelo sangue de Cristo. Será redimido pela pureza, pela bondade e pelo amor que são a mensagem de Cristo.
Cristo e os apóstolos baptizavam pelo imposição das mãos e não pela água. E não baptizavam crianças em que o conhecimento e a vontade de servirem a Deus estava ausente.
O casamento para eles nunca poderia ser um sacramento, já que nunca poderia ser sacralizada a criação da matéria corrupta que servia para envolver o espírito.
Comer carne era um pecado, porque implicava a morte de seres semelhantes ao Homem.
Para se dirigir a Deus o Homem não necessita de intermediários.
Ninguém tem de pagar a dízima à Igreja Católica.
Todos devem viver do seu trabalho.
Nada mais hostil para um Igreja Católica que praticava o nicolaismo ( amancebamento e vida sexual desregrada do eclesiásticos, herança pelos filhos dos padres dos bens religiosos) e a simonia ( venda de sacramentos e cargos religiosos) e habituada a viver à custa do trabalho dos servos.
Nada mais hostil a um papado arrogante e cúpido dirigido por Inocêncio III, o nobre Lottario dei Conti, um membro da alta nobreza italiana que ascendera pela intriga ao papado, aos 28 anos de idade(!!!), em tudo o contrário da simplicidade, da tolerância e da bondade dos religiosos cátaros, um papa que se queria imperador dos imperadores, que antes legitimara a cruzada que passara a ferro e fogo a Constantinopla cristã.
E boa oportunidade para os segundos filhos da nobreza do norte de França, como Simão de Montfort, que viram na destruição do país cátaro a possibilidade de enriquecerem apoderando-se dos seus bens.
Esta conjugação de vontades conduziu à tragédia cátara que teve o seu momento mais célebre na matança de Béziers, em que o bispo Arnaldo Amaury ordenou a quem duvidava do que fazer devido à presença na cidade de católicos:
“Matai-os a todos. No céu, Deus escolherá os seus.”
E em Béziers foram massacradas, naquele dia, vinte mil almas!
Depois de Béziers vem o golpe fatal de Monségur, onde forma queimados vivos 220 perfeitos.
De Montségur só restam as ruínas, mas a atracção que exerce como símbolo de sacrifício, de coragem e de beleza é irresistível. A viagem passaria também a ser irresistível.