Se há um homem, no século XX, que melhor tenha espelhado a imagem de Apolónio, esse homem foi Sri Aurobindo.
Sri Aurobindo nasceu em 1872, na Índia. Em 1879 foi para Inglaterrae e ali fez os seus estudos até ao nível superior, tendo frequentado o King’s College de Cambridge. Essa formação permitiu-lhe unir o pensamento indu ao pensamento ocidental, em particular ao pensamento grego, língua que dominava, como dominava o inglês, que foi sua língua literária, o latim, o francês, o alemão, o espanhol e o italiano, além de dominar o sâncrito e até o tamil. Regressou à Índia em 1893, começando então a praticar o ioga.
Em 1906, passou a dedicar-se à causa da independência da Índia, tendo assumido a sua liderança e, por isso, sido preso, mas também libertado por falta de provas. Algo de semelhante sucedeu com Apolónio que, preso por Domiciano, também este não conseguiu a sua condenação à morte como queria, tendo Apolónio organizado uma fuga que para muitos foi miraculosa.
Certo do triunfo do movimento independentista da Índia, e tendo assegurado a sua direcção, retirou-se da vida política ostensiva. Na prisão, anteviu a possibilidade de uma vida divina na terra, e começou a viagem em sua busca. Passou então a viver em Pondicherry (Índia francesa), aí tendo fundado a sua comunidade, o Ashram. Dedicou o resto da sua vida à meditação, à filosofia e à poesia.
Embora tenha influenciado Gandhi, ao contrário deste entendeu que a violência tem, por vezes, de ser combatida com a violência, apoiando resolutamente os aliados na sua luta contra os nazis, tendo então afirmado. “A guerra e a destruição são um princípio universal que governa não apenas nossa vida puramente material, como também nossa existência mental e moral. O homem não pode dar um passo à frente sem uma batalha. Não basta ter mãos limpas e almas imaculadas para que a lei da guerra e da destruição desapareçam do mundo; é preciso, primeiro, que o que está em sua base desapareça da humanidade.”
Tal como Apolónio não hesitou em recorrer ao poder das armas para resistir derrubar Nero, Vitélio e Domiciano, Aurobindo não hesitou em utilizar a força para resistir à violência nazi, tendo defendido ainda o recurso à força para derrubar o poder inglês na Índia.
Também ao contrário de Gandhi acreditava nos benefícios para a humanidade do progresso técnico e cientifico. O seu pensamento é universalista e sincretista. Para Aurobindo, como para todo o maçon, nenhuma religião, nenhuma filosofia, nenhuma doutrina política, nenhum caminho espiritual pode pretender a supremacia absoluta da Verdade Eterna. Esta só poderá ser alcançada através de sínteses sucessivas que contéem sempre algo antes existente.
Como Apolónio, escreveu um enorme poema, o Savitri, a grande epopeia do século XX. Chegou a ser proposto para o Nobel da Literatura, mas faleceu em 1950 sem que esse prémio jústissimo, que em 1913 tinha sido atribuído ao seu amigo Rabindranath Tagore, lhe fosse atribuído.
Do seu pensamento, citamos os seguintes fragmentos:
”Não importa que no momento não alcancemos o alvo. Contanto que nos entreguemos à tentativa. Mesmo que avance apenas duas polegadas na estrada, mesmo isso poderá ajudar a humanidade a sair do crepúsculo em que ela se debate, e levá-la para a alegria luminosa que Deus quis para nós.”
“O animal é um laboratório vivo no qual a natureza elaborou o homem. O homem bem pode ser um laboratório pensante e vivente, com cuja a colaboração consciente a natureza queira elaborar o Homem Divino”
”Se o homem apenas vislumbrasse quão intensas são suas potencialidades e quão infinitas são as possibilidades… porém o medo e o ceticismo prendem o homem a pastagens menores.”
”Quando a natureza se separa da sua base espiritual, começa a existir a ignorância.”
“ Todos aspiram á liberdade, e, no entanto, cada criatura ama as suas cadeias. Tal é o primeiro paradoxo e o inextrincável nó da nossa natureza.”
“ A imortalidade, a unidade e a liberdade estão em nós esperando a nossa descoberta; mas, através da alegria do amor, Deus em nós será sempre a Multitude.”
”Lembrem-se que vivem um tempo excepcional numa época única, e que têm essa grande felicidade, esse incalculável privilégio, de estarem presentes ao nascimento de um novo mundo.”
Sri Aurobindo viu claramente visto que assistia ao fim de uma Era, aquela em que o homem acreditou na vinda de um seu Salvador.
Com Sri Aurobindo o sol saía da Casa de Peixes e entrava na Casa de Aquário. O homem começa então a acreditar que ele mesmo é um ser único e divino, e que na sua viagem vai ao encontro da sua divindade só poderendo esta ser alcançada através dos outros homens.
Viu claramente visto, mesmo antes do surgimento desse instrumento de globalização, de realização simultânea da diversidade e da unidade que é a internet que, como disse o seu discípulo Pierre Levy, estamos em “um desses momentos extremamente raros em que uma civilização inventa a si própria, deliberadamente”.
Trata-se de um novo humanismo, que inclui e amplia o socrático conhece-te a ti mesmo, do Oráculo de Delfos, para um aprendamos a conhecer-nos para pensar juntos, e inclui e amplia o cartesiano penso, logo existo, para um penso com os outros, logo existo em comunidade.
Como acima vimos, no centro de Auroville está o templo, e em volta deste, como um círculo protector, o Anel da Paz.
Só construindo o Anel da Paz poderá o homem conhecer-se a si mesmo como Homem conhecendo a sua divindade, poderá o homem encontrar como Purusha.
Mas só globalizando Auroville através dos meios que, no tempo presente, a ciência e a técnica colocaram ao nosso dispor, o homem poderá encontra-se com o Mestre Perfeito e construir com outros Mestres a Cidade Perfeita.
Foi uma desilusão esta tarde inundada de sol na Baixa portuense. Esperava muita gente a festejar o 25 de Abril, mas nunca vi tão poucos na Avenida dos Aliados.É manifesto que aos partidos políticos, exceptuando, em parte, o Partido Comunista, aquele que deveria ser o feriado mais importante de Portugal é apenas mais um feriado. Os partidos políticos estão mais interessados nos jogos de poder do que na concretização dos sonhos do 25 de Abril.
Ontem vi Otelo na televisão. Que grandeza de alma, mesmo até nos erros que cometeu, face à pequenez da actual classe política, que não resisto a retratar neste poema de FRIEDRICH von LOGAU:
A ARTE DE VIVER HOJE
Ser outro, parecer diferente,
Não falar como outra gente,
Louvar tudo, tudo aceitar,
Mentir sempre e bem ficar,
A todo o vento dar pano,
Servir bons, maus, mano a mano,
Fazer tudo, tudo inventar
Com vista a sempre ganhar:
Quem dominar esta arte
Na política hoje tem sorte.
De Abril, pelo menos, resta a Liberdade.
Viva a Santa Liberdade!
Em Nuctemeron, os ensinamentos de Apolónio são misteriosos como os oráculos que ele costumava consultar, e estão distribuídos em 12 degraus, ou horas, ou casas, correspondendo a cada uma instrução, mas todas as instruções estão ligadas, como uma escada em degraus, partindo do inferior para o superior. Notemos que são também doze os signos do Zodíaco, e doze as portas da Jerusalém celeste, as portas da Cidade Perfeita. Transcrevo os cinco últimos desses doze degraus:
Oitava Hora: "As estrelas conversam entre si. A alma dos sóis responde ao suspiro das flores. A corrente da harmonia faz todos os seres da natureza se harmonizarem entre si."
Nona Hora: "O número que não deve ser revelado."
Décima Hora: "A chave do ciclo astronómico e do movimento circular da vida dos homens."
Décima Primeira Hora: "As asas dos Génios movimentam-se com um misterioso rumorejar. Eles voam de esfera a esfera e levam as Mensagens de Deus de mundo a mundo."
Décima Segunda Hora: "Aqui se realiza, pelo Fogo, a Obra da Luz Eterna."
Trata-se aqui da viagem do Homem para alcançar o triunfo da Lei Universal do Amor, a fim de salvar o que se encontra perdido, a fim de consolar aquele que se encontra abatido e curar as feridas dos que foram atingidos pela dor.
E foi isso que Apolónio procurou toda a sua vida, não dando a César o que é de César, não capitulando cobardemente frente a Nero como o fez o apóstolo Paulo na sua Carta aos Romanos, mas guiando sábia e heroicamente a luta dos homens de boa vontade.
A Roma do tempo de Apolónio era uma cidade monstruosa onde imperava a crueldade, a violência e o sofrimento. Foi contra essa cidade que, como o deus Saturno, que os romanos consideravam o seu fundador, devorava os próprios filhos, que se revoltou Apolónio.
Exilado por Nero na Hispânia, aqui liderou o derrube de Nero através do honrado Galba. Assassinado Galba pelos soldados de Otão, e este, por sua vez, pelo soldados do bêbado e violento Vitélio, organizou Apolónio a revolta que iria conduzir ao triunfo e entronização de Vespasiano, um dos grandes e justos imperadores romanos, ao qual sucedeu o clemente Tito, seu filho, discípulo amado de Apolónio. Assassinado Tito por seu irmão, o cruel Domiciano, mais uma vez esteve Apolónio no centro da revolta que iria levar o bom Nerva ao poder, e, com este (que baldadamente solicitou a Apolónio que fosse seu Primeiro-Ministro) inaugurar-se-ia aquele período, até à morte de Marco Aurélio,que Edward Gibbon, no século XVIII, na sua belíssima e monumental obra DECLÍNIO E QUEDA DO IMPÉRIO ROMANO (obra que deveria ser de leitura obrigatória em todas as escolas), considerou o período em que a humanidade, até ao século XVIII, foi mais próspera e feliz.
Mas essas prosperidade e felicidade deve-as a humanidade, em primeiro lugar, a Apolónio de Tiana.
A minha mão direita acena-me
na sombra a suave despedida.
Porque o faz longe de mim
sem lenço
ou rosa?
A minha mão direita sobre
o coração é uma garra
de águia
-enquanto a esquerda segura
o vento junto aos ouvidos
de dedos bem abertos.
E a garra de águia leva-me
o coração pelos carris do amor
onde duas linha férreas
o tentam
regular.
Houve dois homens, dois peregrinos perfeitos, dois seres justos e luminosos, dois espelhos em que se deve rever todo o homem, que quero dar como guias nesta viagem: Apolónio de Tiana e Sri Aurobindo.
O primeiro assistiu à aurora da Era dos Peixes, aquele em que se acreditou, como em nenhuma outra antes, na vinda de um Messias, de um Salvador da Humanidade. Cristo aceitou essa condição de Messias. E também Maomé a aceitou, cerca de setecentos anos depois de Cristo.
Apolónio de Tiana chegou a ser considerado, por alguns, como Messias, condição que ele, como ser apenas humano, recusou.
Em vez de se considerar um Messias, como simples peregrino sobre a Terra viajou dentro e fora de si mesmo. Procurou ser um homem em busca da perfeição a partir do seu eu. E procurou também transformar Roma, a cidade das cidades do seu tempo, senão numa Cidade Perfeita, o que sabia ser impossível, pelo menos numa cidade onde o viver não fosse um permanente sofrimento.
Sri Aurobindo assistiu ao crepúsculo da Era dos Peixes, ao fim trágico de todas as crenças
Como Apolónio viajou não só em direcção ao eu perfeito, mas em direcção também à Cidade Perfeita. E esta, que ele idealizou, começou a ser construída após a sua morte pela sua companheira e a UNESCO, como acima foi dito.
Apolónio de Tiana teve uma vida longa, uns noventa e quatro anos, absolutamente excepcional para o tempo. Foi cidadão do mundo, que viajou desde a Espanha até à Índia, e chegou mesmo a dirigir-se à Etiópia, para aprender com a seita gimnosofista. Agia politicamente para melhorar o mundo do seu tempo. Note-se que Cristo, o Messias, foi um judeu arreigado à sua terra, que nunca deixou a Palestina, um judeu que fugia aos conflitos com o poder político romano, que em vez de estar voltado para o Homem Divino, como Apolónio de Tiana, estava voltado para o Deus dos Judeus.
Ambos foram considerados magos e profetas no seu tempo. Mas Apolónio foi um ser bem mais humano que Cristo.
Não teve fanáticos a segui-lo para transformarem a sua pregação numa religião triunfante, para dele fazerem um Deus.
Mas a sua profunda humanidade não deixou de o transformar num ser divino.
Foi Apolónio discípulo de Pitágoras, e, como Pitágoras, considerou como seu dever comprometer-se com o governo da cidade. Apolónio procurou influenciar a Roma do seu tempo. Nasceu na cidade de Tiana, na Ásia Menor, próximo de Éfeso, cidade onde pregou o apóstolo Paulo, e onde o bispo Cirilo fez, através da corrupção e da fraude, aprovar por um Concílio o dogma da virgindade de Maria. Vemo-lo referido em algumas cartas de Paulo como um seguidor de Jesus, com o nome de Apolo. Há evidências de que conheceu Jesus, mas a sua humanidade levou-a a afastar-se de Jesus e de Paulo, ao encontro do homem cidadão do mundo e não do exilado do mundo, como os seguidores de Jesus.
Mas fê-lo sem nunca ter deixado de viajar ao interior de si como o atesta o NUCTEMERON, a sua única obra, das inúmeras que escreveu, que chegou até nós, poupada pelo ódio do catolicismo romano que via em Apolónio um perigoso concorrente do seu Cristo, e não hesitou na calúnia, na mentira e na destruição para apagar a memória e a obra desse ser admirável que foi Apolónio. Mas mesmo essa viagem dentro de si fê-la sempre ligada ao exterior: à harmonia entre os homens, à harmonia entre os homens e a natureza, à obra feita através da iluminação, como poderemos ver nos cinco últimos estádios da ascensão do homem.
O título do livro significa: "O Dia de Deus que Resplandece nas Trevas". O resplandecer nas trevas significa o desabrochar da Centelha Cósmica em cada um, o desenvolvimento da consciência luminosa do Mestre de Cada Um.
O seu nome, Auroville, significa Cidade da Aurora. Foi concebida com sendo a cidade da Aurora da Humanidade, ou, parafraseando o grande poeta grego Yanis Ritsos, para ser a primeira cidade daquele que poderá ser o primeiro século do Homem, o século XXI.
No centro da cidade está o espírito iluminado, o Purusha, envolvido por uma zona de paz, essencial para que o espírito iluminado se desenvolva.
Depois, a cidade desenvolve-se
Mas em todas as civilizações ela representa também a viagem da alma depois da morte, por caminhos desconhecidos, até à sua morada eterna.
A partir da zona de paz, construída em círculo, como o centro espiritual, desenvolve-se a espiral com uma zona cultural, uma zona internacional, uma zona industrial e uma zona residencial.
E todas elas envolvidas por uma cintura verde.
São os seguintes os princípios por que se rege Auroville: