Em nós como um espelho
olhamos às vezes certos mortos
onde admiramos a única
nudez da nossa vida:
um tempo cheio de mortes sucessivas.
E sem saber se por terrível ironia
ou humana compaixão
vestimos então nossas máscaras diárias.
É na interminável solidão,
na ambígua intimidade de nós mesmos
que elas nos concedem
que descobrimos o lento tecido
da nossa própria morte em outros começada.
HENRIQUE DÓRIA-Círculo da Terra
Traçado está há muito o teu
destino-
chegaste pelo encontro de dois corpos
terrestres
partirás pelo encontro de dois corpos
celestes.
O teu nome escreve-se com
pó
e - no fim- nem as aves
te virão
debicar
para teres qualquer
-utilidade.
No fundo da boca transbordante
a
solidão.
Dentro do espelho
ex
plode o coração
Felizes as nuvens que não recordam
nem esquecem
e por isso não padecem
do mal que as nossas mãos de espuma
tecem.
Com o século XXI entrámos na Era do Aquário, que é o décimo primeiro signo do Zodíaco, aproximando-se o sol do fim de uma viagem através das constelações. Se a Era de Peixes é um tempo de inconsistência, um tempo em que o homem se encontra voltado para o seu mundo interior na fronteira entre o bem e o mal, se esta Era terminou com a catástrofe purificadora da segunda grande guerra mundial, a Era de Aquário é a era da fraternidade, da solidariedade, do desprendimento dos bens materiais, da comunidade espiritual universal. É simbolizada por um velho sábio, por um Mestre Perfeito que leva consigo uma ou duas ânforas cheias, que derramam a água etérea da sabedoria para que toda a Terra dela possa beber.
Os Mestres Perfeitos que nos deverão guiar através desta Era são, para mim, Apolónio de Tiana e Sri Aurobindo.
A sabedoria de ambos ditou-me a proposta que aqui faço para que o Homem comece a cumprir com êxito a sua viagem pela Era do Aquário.
O homem actual deveria sentir vergonha de si próprio porque, apesar da riqueza criada pela civilização, apesar de a ciência e a técnica permitirem tornar a vida num hino à alegria, fazendo da morte uma suave viagem, o homem continua um ser antes do Homem.
Para superar este estádio pré-humano do Homem, é essencial que se lancem, já no próximo decénio, as fundações da Cidade Perfeita.
Como Auroville nos mostra, a nossa viagem para a terrena Cidade Perfeita só poderá fazer-se desde que em volta de cada um de nós haja um Anel de Paz, e que em volta de toda a Terra se construa um Anel de Paz.
A construção do Anel de Paz deverá ser a tarefa mais urgente, porque a mais importante, da humanidade.
Temos já um sector desse círculo: a Organização das Nações Unidas.
É urgente, como o demonstram os últimos cinco anos, que esse sector circular se amplie até se transformar num círculo.
A Organização das Nações Unidas deverá transformar-se num governo sobre toda a Cidade da Terra. Um governo que, não afastando os governos das nações, construa com estes a unidade na diversidade da espécie humana.
Para isso, a ONU deverá ser dotada dos três poderes que constituem as traves mestras das sociedades modernas: o legislativo, o executivo e o judicial. E ainda um outro poder, o moderador, simbolizando a unidade das nações: um Presidente.
Para que o poder moderador funcione com uma legitimidade universal, o Presidente deverá também ser eleito por sufrágio universal.
Entendo que a Presidência das Nações Unidas deverá ficar sedeada em Portugal.
Por uma questão de justiça histórica, pois foi Portugal quem deu novos mundos ao mundo. Porque Portugal está a meio dos dois grandes mundos que são a Ásia e a América. Porque Portugal é um grande país pequeno que soube, como nenhum outro, integrar a diversidade dos homens na sua unidade.
Porque Portugal contém em si o gérmen da Cidade Perfeita, como bem intuíram o Padre António Vieira, Fernando Pessoa e, junto de nós, Agostinho da Silva.
O poder legislativo deveria ser legitimado também através do sufrágio universal, com um sistema eleitoral que permitisse a todos os países estarem representados, e que o sufrágio universal não fosse a legitimação do domínio das maiorias sobre as minorias.
Tal equilíbrio poderia efectuar-se através da eleição de um representante na Assembleia Geral por cada Estado. E constituindo-se círculos eleitorais em que os países mais populosos deveriam ter a sua representação limitada, de modo a que um só país não pudesse dominar a Assembleia Geral.
Tal como sucede actualmente, o poder legislativo deveria continuar sedeado nos Estados Unidos da América.
O poder executivo, com funções equilibradamente restritas, deveria ficar sedeado na Índia.
O poder judicial, quer de carácter civil, quer de carácter penal, restrito às questões globais quer civis quer penais, a definir concretamente, deveria situar-se na África do Sul, fazendo assim a justa homenagem a um dos grandes homens do nosso tempo, Nelson Mandela.
Uma força militar ao serviço do poder executivo, comandada pelo Presidente, e controlada pelos poderes legislativo e judicial, manteria a paz universal, intervindo apenas em situações de violação grave e reiterada dos direitos humanos.
A força armada seria, assim, a guardiã da Paz.
Estes princípios deveriam plasmar-se numa Magna Carta da Cidade Terrena, a ser aprovada por todas as nações e todos os homens.
Seria este, em breve e imperfeito esboço, o plano da Cidade Perfeita que os Mestres Perfeitos que foram Apolónio de Tiana e Sri Aurobindo nos indicaram na sua luminosa viagem sobre a Terra.