blog filosófico, cultural e político
Domingo, 19 de Outubro de 2008
EU - OS MEUS LÁBIOS

  Rembrandt-A RONDA DOS PRISIONEIROS

 

Já esqueci o meu verdadeiro nome. Aqui, na prisão, todos me chamam por Beiças. Estou aqui preso há treze anos e não me recordo de me tratarem por outro nome. Antes de para aqui vir, também os lábios marcavam o meu corpo – e a minha alma. A última mulher cujo corpo recordo – e é o único que recordo – dizia: os teus lábios são dois lençóis vermelhos. Cobre o meu corpo com os teus lençóis vermelhos.
Eu alguma vez terei sido eu - não terei sido sempre esta extensão da minha boca, esta carne suave em forma de barco perdido que me liga ao mundo?
Todas as mulheres com quem fiz amor – e com todas as mulheres que penetrei com o meu sexo eu fiz amor - se fixavam nos meus lábios. Mordiam-nos, faziam deslizar por eles os seus próprios lábios, ou, mais frequentemente, a língua, e sempre, sempre, queriam experimentar nos lábios do seu sexo a carne abundante dos meus lábios. Pensavam que com isso extraíam prazer, e me davam prazer, isto é, vida, quando, na verdade, o que deles ainda recordo é o sabor a peixe morto, e triste, infindamente triste.
Os homens com quem lutei corpo a corpo procuravam sempre os meus lábios para os morderem: procuravam ferir-me precisamente no lugar onde eu era eu mesmo, nesse lugar em que eu me erguia para o mundo. Eles estavam certos de que cortando os meus lábios com os seus dentes me cortariam a mim próprio em duas partes que nunca poderiam ser cortadas para que eu fosse eu, cortariam a minha vida.
Vida? Mas o que é este resultado do ar que respiro, da água que bebo ou dos alimentos que como? Serão estas reacções químicas a que chamamos vida algo de totalmente diferente daquelas reacções químicas que se produzem no coração da terra e nos dão a escória, mas também, tão raramente, o diamante?
               HENRIQUE DÓRIA        (excerto de romance a publicar)


publicado por henrique doria às 13:51
link do post | comentar | ver comentários (5) | favorito

Domingo, 5 de Outubro de 2008
VOLTAI AVES

Ah! aves postas atrás

do meu dorso

voltai - voai.

Os meus ossos estão

sobre a pele

os meus cabelos formam

uma bolha escarlate

no estômago-

e é tudo tão transparente

no odor da morte.

Voltai aves - voai.

 

Atrás do dorso estão dois

pés descalços

-nos seus dedos grandes

duas cabeças de criança

com dois arco-íris dentro

- e tudo é subitamente imóvel

dentro do ovo translúcido.

 

Fermento vermelho.

 

O rolar da bola começa

no espelho atrás do dorso-

o rolar da cabeça.

 

Ah! serpentes do meio dia

voltai-voai.

Ah! cordas chorai

o vosso sangue delicado

e triste.

 

Recomeça o rolar da bola

na ladeira

atrás do dorso.

Os juncos dobram-se

e gritam

ao verem

que se segue à tarde

o vento sagrado.

 

Dá-me a tua mão mãe

agora que voltas

com o vento

-eu dar-te-ei o meu choro

límpido

as minhas cascatas de cristal

passando

entre os ameeiros-

entre as águas surdas

dar-te-ei uma lágrima

como presente dourado.

 

Dentro do meu sapato

está um labirinto triste

dois olhos que o fumo

da lareira fez chorar

e depois sonhar

e depois chorar.

 

Hoje nada é inocente

nem os meus lábios com seu odor

de noite.

 

Nunca encontrei nada

porque se encontrasse

estaria agora envolta em fogo

a minha alma.



publicado por henrique doria às 21:11
link do post | comentar | ver comentários (3) | favorito

...

Simão Bolívar



publicado por henrique doria às 21:08
link do post | comentar | favorito

Sábado, 4 de Outubro de 2008
OS MEUS SONHOS

 

           Há muitos anos, tantos e tão longe de mim que cada dia os lembro melhor, eu era um menino pobre. Bem, não é que eu fosse mesmo, mesmo pobre. O que sucedia é que eu comia todos os dias grão de bico e andava sempre descalço. E isso fazia-me sentir pobre, porque na noite dos meus sonhos eu me via como um menino grão de bico tão pequeno que nenhum sapateiro seria capaz de fazer uns sapatos para os meus pés.
Apesar de pobre e pequeno, eu tinha grandes sonhos.
Um dia sonhava que queria ser General, porque ser General era ter a admiração do mundo. Também ouvira dizer que os senhores do mundo eram os senhores das espingardas, o que era uma boa razão para querer ser General: poderia mandar destruí-las.  
            Hoje, duvido bem se era por isso que eu queria ser General. No fundo dos meus sonhos, o que eu queria, mas queria mesmo, era ter aquelas três estrelas douradas sobre os meus ombros e um pingalim na mão para poder desenhar no céu. Seriam as estrelas e o pingalim que fariam de mim um Grande General.
          (continua)
NOTA: este texto é o princípio de um conto para crianças dos 8 aos 80 anos, que está a ser ilustrado para ser publicado em breve.


publicado por henrique doria às 23:40
link do post | comentar | ver comentários (2) | favorito

MAGRITTE



publicado por henrique doria às 23:12
link do post | comentar | favorito

mais sobre mim
pesquisar
 
Junho 2019
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1

2
3
4
5
6
7
8

9
10
11
12
14
15

16
17
18
19
20
21
22

23
24
25
26
27
28
29

30


posts recentes

FRAGMENTO

VÊS-TE ELEITO ENTRE AS ES...

FRAGMENTO

VASOS

FRAGMENTO

O FUTURO DEVOROU O PASSAD...

FALO DAS COISAS SÉRIAS DA...

FRAGMENTO CONTRA CIORAN

UMA ESTRELA NA BOCA

FRAGMENTO

arquivos

Junho 2019

Março 2019

Fevereiro 2019

Dezembro 2018

Novembro 2018

Outubro 2018

Setembro 2018

Agosto 2018

Julho 2018

Maio 2018

Fevereiro 2018

Dezembro 2017

Outubro 2017

Agosto 2017

Julho 2017

Junho 2017

Maio 2017

Abril 2017

Março 2017

Fevereiro 2017

Janeiro 2017

Dezembro 2016

Outubro 2016

Setembro 2016

Julho 2016

Junho 2016

Maio 2016

Abril 2016

Fevereiro 2016

Janeiro 2016

Dezembro 2015

Outubro 2015

Agosto 2015

Julho 2015

Junho 2015

Maio 2015

Abril 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Setembro 2013

Agosto 2013

Julho 2013

Junho 2013

Abril 2013

Março 2013

Dezembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Junho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Janeiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Agosto 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

Abril 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Outubro 2008

Setembro 2008

Agosto 2008

Julho 2008

Junho 2008

Maio 2008

Abril 2008

Março 2008

Fevereiro 2008

Janeiro 2008

Dezembro 2007

Novembro 2007

Outubro 2007

Setembro 2007

Agosto 2007

Julho 2007

Junho 2007

Maio 2007

Abril 2007

Março 2007

Fevereiro 2007

Janeiro 2007

Dezembro 2006

Novembro 2006

Outubro 2006

Setembro 2006

Agosto 2006

Julho 2006

Junho 2006

Maio 2006

Abril 2006

Março 2006

Fevereiro 2006

Janeiro 2006

Dezembro 2005

Novembro 2005

Outubro 2005

Setembro 2005

Agosto 2005

Julho 2005

Junho 2005

Maio 2005

Abril 2005

Março 2005

Fevereiro 2005

Janeiro 2005

Dezembro 2004

Novembro 2004

Outubro 2004

Setembro 2004

Agosto 2004

Julho 2004

Junho 2004

Maio 2004

Abril 2004

Março 2004

blogs SAPO
subscrever feeds