Henri Rousseau
No meu peito tenho uma gaiola
Com um tigre fechado
Irmão
Tigre com dois pregos nos olhos
E outros doze espetados
Em círculo
Sobre o coração.
Irmão
Tigre que tens fome
De ternura
Hás-de morrer pregado
Na árvore do pão.
Apagou-se a luz. A sala está agora vazia. Mas as tuas imagens continuarão a passar em nós enquanto em nós houver luz.
Gostaria de ter conversado contigo nem que fosse uma só vez. Apenas pude ouvir a tua voz na rádio, na televisão e no cinema, e ficava preso a ti, ao teu pensamento que fluía, sabiamente fluía, apaixonadamente fluía.
Sabia que acreditavas em Deus. Mas estou certo que para ti Deus era o sentido da palavra do homem. Eu que não acredito sentia na tua crença um grande mistério, esse grande mistério que era a tua e a minha existência.
Mas Deus era também o teu modo de te partilhares: tu partilhavas a beleza como Jesus partilhou o pão e o vinho.
Partilhando a beleza te tornaste santo.
Não acredito na existência da alma. Mas as nossas almas tocavam-se noutras almas como Johnny Guitar, Proust, a Arrábida, que eram tuas e eram também as minhas.
Terminou o caminho do cisne.
Lá em qualquer lugar da Arrábida onde tu estiveres, eu estarei contigo.
HENRIQUE DÓRIA
(À morte de João Bénard da Costa)
Tempo de silêncio
Na noite da noite
- Até as estrelas perplexas
Dão lírios às mãos cheias
E chora Orion.
De onde vem a neve
Que transforma
As casas em ruínas
A alma em ossos?
De onde o nada que nos nega?
HENRIQUE DÓRIA
Afirmava o conselheiro áulico Leibniz que este era o melhor dos mundos possíveis, ao que Bradley acrescentou, ironicamente, "e nele todo o mal é necessário".
Leibniz acusava assim o género humano da sua própria miséria, e, pior, afirmava que o homem tão vil e tão pequeno jamais poderia deixar de ser vil e pequeno.
É claro que Leibniz defendia o ponto de vista dos poderosos, que sempre serviu, e para os quais qualquer alteração ao seu poder é impensável.
Mas a História acabou por o desmentir.
Hoje, a liberdade, o bem-estar, e, sobretudo, a esperança, atingiram um grau inimaginável para ele e para os poderosos do seu tempo.
Certamente porque houve homens simples e justos, como o seu admirado, e, depois, caluniado Espinosa, à humilde porta do qual Leibniz se dirigiu um dia do ano de 1676 numa carruagem esplendorosa.
HENRIQUE DÓRIA-Fragmentos