Só um espírito pequenino e medíocre não admirará em Saramago a grandeza do obra e do homem. À partida, tudo estava contra aquele camponês nascido na Azinhaga do Ribatejo, a começar pela pobreza e pela a pequenez do mundo em que nasceu e cresceu. E, no entanto, talvez nenhum português como ele tenha levantado tão alto o nome de Portugal. Mas a sua grandeza está mais ainda no facto de não ter sido apenas a fama que buscou. Esse operário sempre em construção foi, sobretudo, um homem no seu mundo, com todas as virtudes - muitas - e defeitos- alguns - que teve.
Na sua obra, que é, sem dúvida, o que dele mais perdurará, encontramos dois cumes da prosa portuguesa: MEMORIAL DO CONVENTO e ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA. Pessoalmente, considero o ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA o maior romance português publicado depois de A SIBILA, de Agustina Bessa Luís.
Não é só por ter recebido o Nobel que deve ser considerado notável. SARAMAGO é, certamnte, o mais notável romancista português depois a EÇA DE QUEIRÓS ( não considerando os enormes RAUL BRANDÃO e PESSOA/ BERNARDO SOARES como romancistas).
Como EÇA foi um espírito aberto ao mundo. Mas sem nunca deixar de ser profundamento português, como CAMILO.
Sobre o homem, recordo uma conversa acesa que com ele tive há meia dúzia de anos. Em público, depois de ouvir as suas lamentações sobre o mundo de hoje e o mundo que há-de vir, disse-lhe, com crueldade e arrogância tonta, que tudo isso era o discurso de um velho, porque todos os velhos dizem que o tempo era bom quando eram jovens. Mas que o futuro seria para a humanidade melhor que o presente, como o presente já era muito melhor que o passado. Eu, um pessimista profundo, fiz de SARAMAGO, o optimista militante ( porque todo o comunista é um optimista militante), um pessimista militante.
Porém, quando lhe pedi para autografar o seu ENSAIO SOBREE A CEGUEIRA, disse-lhe, em particular, que ele era das pessoas mais jovens que conhecia.
Em ambos os momentos estava a ser sincero: a sua luta apaixonada, e até ao fim da vida, a favor da dignidade do homem e contra os poderosos que aviltam a humanidade, tornava-o profundamente jovem, pese embora esse discurso tão pessimista sobre o mundo de hoje e o de amanhã.
Se em tempos mostrou um acanhado espírito de seita, foi abandonando esse espírito ao longo dos últimos 30 anos e tornando-se, como poucos, um homem livre e sem preconceitos.
Neste dia em que foi a sepultar, honra à sua grande alma, honra ao grande escritor.
Soube pela Mila que, no dia 1 deste mês de Junho, morreu Andrei VOZNESSENSKY, um dos nomes maiores da poesia russa e universal do século XX.
Quantos dos que enchem as páginas dos jornais que lemos saberiam sequer o seu nome? Por isso a sua morte não foi notícia de jornal e, muito menos, de televisão. Mas, para quem não saiba, aqui fica a informação: o seu livro de poemas CORAÇÃO DE AQUILES intingiu uma tiragem de 500.000 ( sim, quinhentos mil!) exemplares! VOZNESSENSKY conseguia encher um estádio com pessoas a ouvirem-no declamar os seus poemas. Em 1970, um seu livro vendeu 100.000 exemplares num só dia! Nesse dia 15 de Abril, todos os exemplares foram arrebatados das livrarias, e formaram-se bichas para os comprar. Nascido a 12 de Maio de 1933, VOZNESSENSKY era uma personalidade multifacetada: arquitecto, pintor e poeta.
Merecia tanto o Nobel como Brodsky.
Nunca foi um alinhado com o regime soviético, mantendo a sua liberdade apesar das críticas oficiais, uma delas dirigida pessoalmente por Krutchev. Foi impedido de se deslocar ao estrangeiro pelo regime soviético, mas a queda do “comunismo” foi relegando VOZNESSENSKY para a sombra.
Não deixou, porém, de ser uma voz luminosa para aqueles que o conheciam.
Escreveu um dia:
NOITE
Tantas estrelas!
Tantos micróbios nesta atmosfera…
Mas ele será sempre um estrela a iluminar a noite dos que amam a verdade e a beleza.
Em sua homenagem aqui transcrevo um outro poema seu:
OUTONO EM CIGULDA
Salto para a plataforma do comboio
e digo adeus.
Adeus, Verão.
Mas já sinto saudades
Da datcha onde o martelo soa.
Fecham a minha casa de madeira.
Adeus.
As árvores perderam já as folhas
E agora, nuas e tristes,
São como um acordeão
sem música.
E nós, nós
também somos estranhos,
partimos,
como se fosse assim determinado,
do erg,
das mães
e das mulheres,
assim tem sido sempre assim será.
Adeus, Mãe,
começas a ficar já transparente
à janela, como num casulo.
O dia extenuou-te, certamente,
e só nos resta descansar.
Amigos e inimigos, good-beye!
Em breve, quando soar o silvo do comboio
vocês, aí, vão ficando para trás
e eu vou-me afastando de vocês.
Despeço-me da terra.
Serei talvez estrela ou salgueiro branco,
mas não irei chorar, não sou nenhum pedinte.
E agradeço à vida que passou.
Nos campos de combate,
tentei matar, poupando as munições,
mas não fui capaz
e pela terceira vez digo obrigado,
porque entre as pás transparentes a vista penetrava
como um punho de sangue
em luvas de borracha.
”Andrei Voznessensky” tu vais ficar
no rosto de quem amas
não com palavras de pedra
mas como “Andriuchka”, simplesmente.
Obrigado porque apareceste, e era Outono,
surgiste entre os arbustos, disseste qualquer coisa,
e arrastavas o cão pela coleira,
obrigado,
senti-me renascer, e foste tu
que me revelaste o Outono,
a dona de casa acordava-mos às oito,
e nos dias de festa cantava com voz rouca,
como um disco em calão,
meu amor, obrigado,
tal como o comboio
também tu te afastas,
foges do Outono que havia nos meus campos,
já separados, fugimos um do outro,
mas aquela casa porque não é nossa?
Estarás perto e longe, algures, em Vladivostoque.
Sei que nos iremos repartir
por homens e mulheres que surgirão mais tarde
e um de nós substituirá o outro
por entre os prados,
“a natureza tem horror ao vazio”.
Agradeço aos ramos que desaparecem.
Outros virão e assim eternamente.
É essa a lei que rege a natureza.
Uma mulher desliza pela colina
folha ou fagulha que o comboio arrasta.
Salva-me!
Na sequência de Rawls, mas indo mais além, tenho para mim que as desigualdades são desejáveis desde através delas se obtenha um nível de bem estar geral superior ao que se obteria com a igualdade. Dito de outro modo, desde que essa desigualdade permita um aumento do bem estar dos estratos com rendimentos inferiores à média superior ao que seria conseguido com maior igualdade.
Confesso que estou convencido que Rawls, como pensador honesto que era, não desdenharia totalmente esta formulação.
Mas isto é ainda muito vago, e creio que a Justiça e a democracia se controiem não só na vida pública mas na vida empresarial.
Esta tem andado totalmente arredada da democracia.
Os pensadores de esquerda são avessos a pensar nela, mas é sobretudo a ela que a democracia deverá chegar.
Aí creio que são essenciais dois princípios, como o mostrou a actual crise:
a)Participação relevante do Estado em todas as empresas económica e socialmente relevantes.
b)Participação dos trabalhadores em decisões essenciais para a vida das empresas:1º grelha salarial.2º destino ds lucros 3º deslocalização