Tudo é misterioso de verdade.Lavras no campo fértil do erro.Eu nunca fui eu mas a lenda de outro distorcida pelo bronze côncavo da memória. O meu próprio nome é o nevoeiro da lenda. Gneo, o impetuoso vindo do fundo da terra, ou Gaio o alegre e aéreo passageiro do céu?
Nunca fui o chefe aristocrata desprezando os bens terrenos, hostil à intriga e à mentira, mas o plebeu estrangeiro, o líder democrata para quem o ouro era a recompensa não só merecida como desejada, para quem todos os meios eram justos para alcançar o vinho do poder. Nunca fui aquele para quem a reserva ou o silêncio eram um instrumento de dominação, mas aquele outro para quem a palavra e o fascínio que ela exercia sobre as multidões eram a segunda vertigem do sexo.
Ah! A bajulação! Como os homens gostam de ser bajulados. Diz a um cobarde que é herói, a um medíocre que é grande poeta, e terás tudo deles.
E eu queria ser tudo- num momento hierofante, noutro heraldo, noutro daduco. Talvez eu quisesse mesmo ser a sibila e ter nos meus lábios o mistério da vida e da morte.
De verdade, não sei quem sou.
Do pai só recordo os pés enormes e verdes sobre o ataúde onde o colocaram quando morreu. E os seus gritos de prazer ao ser montado pela mãe, enquanto dois escravos se masturbavam à porta do dormitório.
A paz chegou por fim à tua alma inquieta e sedenta Coriolano. A morte que sempre despresaste, porque não era para ti mais do que uma escrava, é agora a tua senhora desejada. Vais, por fim, esquecer o orgulho, o sangue e a espada. Que o teu nome seja apagado para sempre da boca dos homens, romanos ou volscos.Estás cansado do teu proprio nome, Coriolano. Não foi o ódio que te cansou, mas o amor, esse amor inicial e único que começou quando estavas dentro do corpo da tua mãe, quando tu não eras ainda tu mas apenas uma extensão da sua carne e do seu sangue.Dorme Coriolano, dorme. A mãe matou o seu filho muito amado quando matou o orgulho que era o teu único companheiro, a tua árvore e a tua sombra.Ficaste só diante de ti mesmo.Foi decepada a tua mão direita, essa que te ligava à mão da mãe. E, agora, no interior côncavo do polido bronze do teu escudo já não vês o teu rosto, mas o rosto solitário da morte.
O Juízo Final será antes o julgamento do Criador pelas suas criaturas.
Aqueles a quem dado o verbo como sopro de confusão, hão-de julgar o próprio Verbo.
Então, miríades e miríades de homens, tantos como o pó da terra, hão-de correr pelas planícies e escalar os contrafortes de Har-Megedon, ao assalto da fortaleza onde se senta o Todo Poderoso.