A alegria é uma saudade de que vão escarnecendo os moinhos do mundo.
Segundo aniversário do meu primeiro e único neto.Sentimentalão que sou, não contive as lágrimas quando a minha filha revelou que estava grávida.O seu nascimento foi um feliz momento esperado. Mas com o tempo percebi esse intimo e alto sentido das palavras:« eu é um outro» Sei que nele me continuarei porque tudo nele é o meu corpo e a minha luz. Eu que caminho para a vindima da tempo sei que ele será as minhas uvas de que ambos tanto gostamos, e o meu vinho de que ele também há-de gostar.
Ele é o meu vinho - com mel.
Correm em mim três rios
Três corpos sumptuosos transbordando
através da pele
Duma ternura animal.
Um ama o fogo e com ele
Sobe as escadas esperando
Perder-se no fogo-nas bocas
No mundo. É de vinho esse rio
Que nasce dos cachos da terra
No lugar onde o coração se afunda
Numa loucura abismal.
Outro é de água que mata
A sede das estrelas.
Esse nasce no útero
Onde embala três afluentes
Embala-os dia e noite para que nunca
Chorem nem se percam
Entre os turvos espelhos de sal.
O mais jovem é do mel
Com que se fabricam os sonhos.
Chama-se fénix
E voa entre os meandros das árvores,
Corro para ele pobre cão do amor
Querendo
Na minha boca a sua beleza ancestral.
Como somos tão displicentes com tantas pessoas que amamos. A vida envolve-nos em sucessivas ondas que, no fundo, são hábitos, rotinas, acomodações. E o importante passa: passa o exercício do amor no prazer duma simples presença, na luz duma animada conversa, numa simples lembrança diária fazendo com que aquele que está longe esteja presente em nós.
Só quando perdemos aqueles que amamos nos lembramos de quanto nos perdemos em tão pequenos nadas. Porque esses que amamos, mesmo quando desconhecemos que amamos, mesmo quando desconhecemos que existem mas percebemos que ainda assim amamos, todos esses são, afinal, tudo.
Olho para mim e vejo-me, ateu convicto, mais próximo de Rumi, o amante de Deus, do que dos céticos Omar Khayyam e Ferdausi. Rumi, ao contrário do todo poderoso imperador Septimo Severo para quem nada valeu a pena, diria que tudo vale a pena porque para ele tudo é envolvido pelo círculo misterioso do Amor.
Tanto Omar Khayyam como Ferdausi tentaram compreender o mundo e, face ao total absurdo deste mundo, refugiaram-se numa suave angústia embebida em vinho e perfume de rosas.
O supersticioso Septimo Severo quis tudo ser, e tudo foi. Por isso, na sua impotência perante a morte que o envolvia em nada como a qualquer escravo, só pode perceber que nada valia a pena.
Rumi, reconhecendo ser um quase nada no universo que era incapaz de compreender, e não querendo ser mais do que esse quase nada numa existência onde tudo parece absurdo e separado, aprendeu com Shmas que tudo é unido e compreensível pelo Amor.
Se o que conhecemos é uma esfera que, à medida que se alarga, mais pontos de contacto tem com o que ignoramos, a sabedoria e a verdade estão no centro da esfera pois, embora a sua superfície se vá afastando do centro, ela está sempre à mesma distância desse centro.
É este o mistério e a verdade do Amor.
Há na serenidade de Epicuro um egoísmo suave que me recuso a aceitar. A inquietação é a essência da condição humana, uma moeda que numa face tem o amor, noutra o sofrimento.
Sem ela o Homem perde a sua humanidade.
Vieste ave de fogo, depois das últimas chuvas. Regressaste ao lugar onde nunca estiveste porque este sempre foi o teu lugar.Neste lugar não há tempo, nem sentidos, nem razão, porque ele estará sempre além dos montes para ser o teu lugar.Vieste sol inquieto saindo do fundo do poço, depois do medo e da perturbação, vieste para o sul feliz para que sobre o meu peito repousem os teus seios serenos.