(fragmento)
Ninguém consegue tirar-me da cama ao domingo de manhã. Não é que eu seja preguiçosa, nem que esteja muito cansada.Mas trabalhando como trabalho de segunda a sábado, preciso das manhãs de domingo sem nada fazer para dar algum sentido à minha vida.
Se é que a minha vida, ou a dos outros, tem algum sentido.
Posto isto que acabo de dizer,
já perceberam que eu nunca gostei muito de mim. Mas também não tenho dado grande importância a isso.Não sou bonita, tenho um nariz demasiado grande, e isto faz com que sinta vontade de sorrir de mim mesma sempre que me olho ao espelho-com pena.
Na rua, os homens são o meu espelho. Quando vêm atrás de mim, desnudando o meu corpo bem feito, sobretudo as pernas bem feitas, sinto que apressam o passo para se aproximarem. Mas se viro para eles a cara, há neles algo que esmorece porque o meu nariz lhes dá vontade de rir.
Só uma senhora com ar culto e distinto me disse, uma vez, na paragem do autocarro que nariz fabuloso é o seu.E sorriu para mim dizendo-me através do seu sorriso-não nos conhecemos mas tenho contade de te acariciar.
De outra vez, um homem disse-me algo que em não compreendi- nariz de dartanhan. Procurei saber o que era isso, e descobri na net, com a ajuda de uma colega de trabalho, que o tal homem tinha dito nariz de d´Artagnan, e que este senhor de d´Artagnan foi um espadachim inquieto ao serviço do rei de França. Do rei e do amor.
Eu, afinal tão próxima de um servidor do rei e do amor!
Pela primeira vez na vida consegui rir-me de mim mesma - com alegria.
HENRIQUE DÓRIA-Viagem Através De Uma Nebulosa