blog filosófico, cultural e político
Domingo, 19 de Setembro de 2004
REGRESSEMOS AO MAR DA JUVENTUDE
Regressemos ao mar da juventude
Minha amiga, desçamos ao fundo da alegria
À luz da nossa única virtude
- Mesmo que perdido o amor, com nostalgia.
Em restos de conchas, pedacinhos de ossos
Repousam os barcos do passado,
E com pequenas nuvens - mas são ainda os nossos -
Uns olhos tristes nesse mar coalhado.
Desçamos pois à areia
E aí dancemos
Entre éguas marinhas
Mirando nossos rostos magoados.
Nesse fundo se acende a última candeia
Do desejo
Feita do barro e das pedrinhas
Em que seremos ambos transformados.
HENRIQUE DÓRIA - Mar de Bronze
SEM TECTO, ENTRE RUÍNAS, À ESPERA...
"A vida antiga tinha raízes, talvez a vida futura as venha a ter. A nossa época é horrível porque já não cremos - e não cremos ainda. O passado desapareceu, do futuro nem alicerces existem. E aqui estamos, sem tecto, entre ruínas, à espera..."
RAÚL BRANDÃO- Memórias I
Sábado, 18 de Setembro de 2004
AGAR E ISMAEL
Os filhos pequenos de Abraão andavam a brincar
Com conchas, barcos de madrepérola boiando;
Depois, Isaac encostou-se a Ismael, assustado,
E, tristes, os dois cisnes negros puseram-se a cantar
Em tons sombrios, envolvendo o colorido do seu mundo,
E Agar, a rejeitada, num instante roubou-lhe o filho amado.
Verteu a sua grande lágrima na dele, mais pequena,
E os seus corações marulharam como o poço sagrado
E eles correram, mais que a avestruz, em sua pena.
Mas no deserto o sol queimava, avermelhado,
E Agar e o seu menino deixaram-se cair no velo amarelado
E cravaram na areia os seus dentes brancos de povo negro.
ELSE LASKER- SCHÜLER - Baladas Hebraicas
O DESPRESO
O caso da fabulosa pensão de Mira Amaral, despachada à velocidade da luz, é o exemplo mais flagrante do despreso que esta gente que nos governa tem pelo povo. Quantos não passarão enormes dificuldades à espera que os burocratas de serviço tenham tempo para, entre dois dedos de conversa, umas cigarradas e uns cafés, se dignem despachar as suas míseras pensões equivalentes ou inferiores mesmo ao salário mínimo nacional?
Depois, ainda gramamos o cinismo, a cara de pau, com que Santana Lopes e Bagão Félix vêm dizer que se vão informar sobre o assunto.
Espantamo-nos como é possível que tal gente nos governe!
DÍVIDAS AO FISCO-Ontem como hoje
"Um empregado da Fazenda:
-Em cada um dos grandes bairros de Lisboa há milhares de processos de dívidas à Fazenda parados. Companhia que tenha votos paga quando quer e como quer. Só os desgraçados são penhorados. Isto representa muitas centenas de contos, que se perdem por empenho, por política, por desleixo."
RAUL BRANDÃO - Memórias I
Domingo, 12 de Setembro de 2004
TEMOS TEMPO TEMOS MAR
Temos tempo temos mar
Depois das horas de azul
tem a sombra que ficar
presa nos ramos do sul.
Caminhos do teu amor
Estradas da tua paixão
Choro entre o espinho e flor
Com que se arma a canção.
Tenho eu sol nesta lembrança
De pés descalços no chão
Rindo no gume da neve
E a vida que nunca alcança
Por ser o sonho tão breve
Os montes do coração.
HENRIQUE DÓRIA - Mar de Bronze
Sábado, 11 de Setembro de 2004
CAMILO, GUERRA JUNQUEIRO, E DEUS
"E um dia, ao saber Camilo céptico, Camilo com noites de sombrio desespero, palpando a coronha do revólver, não foi de propósito procurá-lo para lhe pregar Deus?
...
O poeta tenta arrancá-lo do negrume que o envolve: desenrola teorias, explicações, argumentos; ataca-o a fundo, persuade-o talvez...Já o julga abalado e convertido, quando dessa figura, só osso e dor, saem enfim estas palavras irónicas:
...- Sim, sim Junqueiro, você convencia-me se eu não tivesse ainda no estômago, desde o almoço, três bolinhos de bacalhau, que me estão aqui como três Voltaires."
RAUL BRANDÃO- Memórias
Quinta-feira, 9 de Setembro de 2004
...
Tenhamos nós uma parte da perfeição que queremos que Deus tenha e Ele não tem- e tenhamos uma parte cada vez maior dessa perfeição.
Sejamos pequenos deuses, pelo menos no desejo.
Quarta-feira, 8 de Setembro de 2004
UM APOIO PARA MEDITAR
Aos gondomarenses mais atentos não espantou o rasgado elogio que Valentim Loureiro prodigalizou a José Sócrates, que foi ao ponto de dizer que Sócrates seria um grande Primeiro-Ministro.
Tal elogio não foi mais que a retribuição de outro que Sócrates, em visita a Gondomar, prodigalizou ainda não há muito tempo a Valentim Loureiro, elogiando a sua prestação à frente da Câmara de Gondomar.
Quando prestou este elogio a Valentim Loureiro, já não se exigiria que, antes de falar, perguntasse primeiro a opinião dos socialistas gondomarenses, em particular dos seus dirigentes.<
Bastaria que Sócrates perguntasse a opinião de muitos dentre os filiados no PSD sobre o que o seu próprio partido estava a fazer em Gondomar.
Ou, então, e isso seria mais isento, que visitasse ele próprio as zonas onde pretendia implantar o POLIS para verificar o caos que Valentim Loureiro trouxe a Gondomar, incluindo a vergonha que é o edifício de 16 pisos junto ao palácio do Freixo, um edifício que, se houvesse coerência na política, seria para demolir como Sócrates exigiu a demolição do edifício Coutinho, em Viana do Castelo.
Ou que sobrevoasse o concelho, para ver a floresta de betão em que a dupla Valentim Loureiro e José Oliveira transformou Gondomar.
Talvez Sócrates prodigalizasse então elogios a Valentim Loureiro, para os ver retribuídos num futuro próximo. O que conseguiu.
Mas estes elogios de Valentim a Sócrates, para além de parecerem algo como uma intromissão na vida interna do Partido Socialista, colocam-nos várias interrogações.
Será que o governo que Sócrates fará se for Primeiro-Ministro é o governo que agrada tanto a Valentim Loureiro?
Será que um governo que tanto agrada a Valentim Loureiro é um governo em que os socialistas e a maioria dos portugueses se possam rever?
Porque é que Sócrates não se demarcou, até hoje, claramente desse apoio?
Será que Sócrates desconhece o que se passa em Gondomar, e que todo o país conhece?
Será que Sócrates ignora a difícil luta que os dirigentes do Partido Socialista de Gondomar têm travado, e os quer pôr à margem?
E outra interrogação ainda: o que faz Valentim Loureiro correr tanto atrás de Sócrates, ao ponto de se imiscuir nas questões internas do PS, em vez de se limitar ao imbróglio criado entre o PSD do Porto e Gondomar por um lado, e o de Gaia, por outro?
Dizia Francois Mitterrand, A chacun ses espagnols. Isto é, a cada um os seus companheiros.
E a companhia que Sócrates e Valentim fazem um ao outro deve fazer meditar seriamente os socialistas gondomarenses que tão bem conhecem Valentim Loureiro, as suas companhias e a desgovernação que faz do concelho.
HENRIQUE PRIOR