Tenho lágrimas rubras
no meu cérebro
e asas escuras a um canto
porque descobri que a minha mão
está suspensa
na Árvore do Paraíso.
Tu não me vês Senhor
por isso blasfemo
Tu não me acompanhas
por isso me esqueço de Ti
Tu não me falas
por isso duvido
que me tivesses criado.
Os dedos das Tuas mãos
são os gumes
de dez espadas
do Teu coração saiem em golfadas
perpétuos funerais.
Por isso
de cada vez que olho
a minha mão suspensa
creio
que por circunstâncias desconhecidas
deixaste de Te amar a Ti Próprio.
HENRIQUE DÓRIA (poema acabado de escrever)
Não vou aqui falar de injustiça, de crueldade e de abominação. Todas as guerras são injustas, cruéis e abomináveis.
Vou falar apenas de estupidez.
Esta guerra israelo-árabe, de que a invasão e destruição do Líbano é um episódio, é a guerra mais estúpida que a humanidade tem sofrido. Porque dura há quatro mil anos e, ao fim de quatro mil anos, nenhum dos beligerantes aprendeu fosse o que fosse com a História.
Desde há quatro mil anos que os judeus lutam contra todos os povos da região. Desde há quatro mil anos que os povos da região lutam para expulsar os judeus. Sem que qualquer um deles tenha logrado alcançar os seus objectivos, e sem que haja perspectivas de que, algumas vez, o consiga.
Parece elementar que, face ao peso e às evidentes lições da História, no século XXI ambos cedessem e passassem a viver em paz.
Mas o fanatismo religioso de ambos os lados impede que tal aconteça. Ambos lêem a Bíblia e o Corão como o faziam há mil e trezentos anos.Por isso a esperança de paz é tão ténue.
A maior ferida causada ao orgulho do Homem não é já a causada por Copérnico ao retirar o Homem do centro do Universo, mas sim a causada pelos zoólogos contemporâneos que descobriram que a vida na Terra prosseguiria normalmente se dela desaparecesse o Homem-mas o mesmo não sucederia se dela desaparecessem as formigas, pois com o desaparecimento das formigas desapareceria a maior parte da vida na Terra.
O Homem é dispensável à vida, mas as formigas não. Isto dá-nos a verdadeira dimensão da nossa insignificância.
Mas também a dimensão da nossa grandeza.
HENRIQUE DÓRIA-Fragmentos
Tudo é tão igual
mas no nada se renovam
chuva rosto e chama
ondas de deus que nos provam
foices que a memória engana.
HENRIQUE DÓRIA-Tanka
Quando Cioran, perante as palavras desesperadas que a mãe lhe dirigiu, aos vinte e sete anos, de que o melhor teria sido abortar, extrai daí a prova do absurdo da vida, eu extraio a prova do milagre da vida.
Quando Cioran afirma que a ideia de progresso da humanidade é uma ideia risível, eu afirmo que a humanidade actual é a prova do contrário: a saúde e o conforto do Rei Sol eram muito inferiores aos de qualquer cidadão da classe média francesa actual.
Parecendo, por isso, que nada tenho em comum com o seu pensamento, a verdade é que temos algo de essencial em comum: a palavra é para nós uma exaltação.
Por ela eu posso ver-me como um pobre cão vadio, de olhar infindamente triste, entre ruínas.
HENRIQUE DÓRIA-Fragamentos
Sem que nada o deixasse adivinhar
subitamente aqui entraram
de ruína em ruína
o cavalo cinzento
de estrela negra incrustada na fronte
a criança que chorava
por se haver perdido do peixe vermelho
a sombra que procurava encontrar
todas as coisas, e
a guardar tudo
com o seu olhar infindamente triste
um pobre, pobre cão vadio.
HENRIQUE DÓRIA- Escadas de Incêndio