A liberdade tem um preço elevado, e eu paguei-o por aquele único dia em que ousei ser livre.Esquecer-me da existência da mulher,filhos, pais, família mais ou menos próxima,amigos,simples conhecidos.Fugir para longe, para junto do mar, um mar que não me conhecesse.
Vaguear pelas ruas, confundir-me com a areia.Desejar todas as mulheres belas que encontrasse, e outras que não sendo belas eram também desejáveis.Às treze em ponto cumprir o necessário rito com um saco de cerejas e, ao sol poente,poente, banquetear-me com um imponente imperador numa sala entre a rocha e as ondas, à luz ocre saída de um quadro de La Tour. Banquetear-me como um príncipe que tivesse abdicado da coroa, um príncipe olhado com melancolia por um imperador de olhos tristes, cujo corpo ia devorando, devorando.
Mas a noite traz estranhas vinganças. E foi na noite profunda que o imperador silencioso abriu a boca e me engoliu. Mas em vez de me levar dentro do monstruoso estômago para a cidade onde me esperavam a mulher e os filhos, guardara para mim uma coroa de ouro e pedrarias, um ceptro soberbo e um manto de arminho, branco no interior e azul por fora, estampado com douradas flores de lis.
Tudo para que eu me coroasse a mim próprio Imperador de França e ficasse a vaguear eternamente entre uma parede e outra da sua sala escura.
HENRIQUE DÓRIA-Viagem Para Uma Nebulosa
Noticiaram os jornais que a Associação de Professores de Matemática foi afastada da comissão de acompanhamento do Plano de Matemática por ter criticado alguns aspectos da política do Ministério da Educação.
Sabendo nós, como sabemos, que o caso da DREN teve a cobertura da Ministra da Educação, não nos surpreende esta decisão da ministra, na sequência, aliás, do seu ostensivo autoritarismo.
Mas este caso da sanção aplicada a uma associação, cujas tarefas são essenciais para o desenvolvimento de uma área do ensino decisiva para o país, apenas por delito de opinião, ultrapasa tudo o que é admissível num regime democrático.
Já era muito discutível a competência da ministra, mas a questão era da responsabilidade do Primeiro -Ministro.
Agora, com esta decisão, trata-se de uma questão de Estado: a Ministra da Educação, manifestamente, ignora o que é viver em democracia.
E um Primeiro-Ministro de um governo socialista não pode deixar de demitir do Ministério alguém do seu governo que não convive bem com a democracia.
Aguardemos a sua decisão.