OS ANTECEDENTES DA CRÍTICA
1. É sabido que o ódio de estimação de VPV a MST, sempre mais ou menos disfarçado, vem de longa data. Vem da data
Não vem ao caso analisar a medíocre prestação de VPV como Secretário de Estado da Cultura ( onde está o Thesaurus da língua portuguesa que ele tanto reclamava como primeira tarefa de um SEC?). Mas a referência a este episódio é essencial para se perceber o conteúdo do artigo de VPV e o seu (nem sequer disfarçado) cinismo ao escrever que no interesse dele (MST) se prestou a corrigir alguns erros históricos de Rio das Flores.
Preâmbulo e Opiniões no Texto de VPV.
2-No preâmbulo do seu texto que se pretende isento e crítico, VPV reconhece que um romance não tem de se preocupar com a verdade histórica. Mas acrescenta que o romancista “ não pode é desconhecer e falsificar o passado ou dar dele versões falsas, simplificadoras e propagandísticas.”
Como se viu no texto de VPV sobre Freire de Andrade, VPV não faz outra coisa senão falsificar o passado e dar dele uma versão simplificadora e propagandística. E, na parte relativa às opiniões históricas de alguns personagens, VPV volta, no essencial, a falsificar o passado e a dar dele uma versão simplificadora e propagandística.
E o que é esse essencial? Refiro-me à classificação do regime da Primeira República como um regime de partido único, na prática.
No Fundo, VPV afirma que a 1ª República não passou de uma disfarçada ditadura do Partido Democrático.
Nada mais falso e simplificador. A 1ª República não passou de uma guerra permanente e muitas vezes confusa entre facções e dentro das próprias facções. Tão confusa que há provas de que o seu último Primeiro Ministro, António Maria da Silva, esteve metido na conspiração que conduziu ao golpe do 28 de Maio contra…o seu próprio ministério.
Essencialmente, a sociedade dividia-se entre os que defendiam os interesses do capital e os que defendiam os interesses do trabalho, entre os republicanos e entre os monárquicos, entre os clericais e os anticlericais.
É claro que, entre cada uma destas correntes em conflito, havia enormes divisões. Dentro dos que defendiam o capital, era predominante, no princípio do regime republicano, o partido agrário ,do qual Pequito Rebelo terá sido o político mais representativo. Mas havia também a União dos Interesses Económicos, vocacionada para a industrialização, que teve um papel decisivo depois da 1ª Grande Guerra. Dentro dos que defendiam os interesses do trabalho, o espectro ia de Domingos dos Santos, um social democrata que chegou a ser primeiro ministro, aos anarcosindicalistas do jornal Batalha. Entre os republicanos havia os que dialogavam com os monárquicos ( como Tamangini Barbosa, também Chefe do Governo, um intriguista que balançava entre os republicanos e os monárquicos) e os radicais como Afonso Costa. Entre os clericais e anticlericais a gradação não era também menor, indo desde o Cardeal Bello a Afonso Costa, passando por António José de Almeida e por Bernardino Machado, cujas boas relações com a Igreja Católica eram conhecidas.
Tudo isto para concluir que a tal ditadura do Partido Democrático invocada por VPV não passa de uma simplificação e de uma versão propagandística destinada a legitimar a ditadura real que veio depois, a de Salazar.
Quanto à ditadura do Partido Democrático perguntava o jornal A Montanha: “ Partido Democrático? Qual? O de Afonso Costa? O de Domingos Pereira? O de António Maria da Silva? O de Álvaro de Castro? Valha-nos Deus.”
E para caracterizar decisivamente a República escrevia a Batalha:
“ Os Conservadores, os capitalistas, pretendem acabar com a ficção democrática para substituí-la por um regime burguês; os operários desejam um regime proletário…E a república vive mercê da luta travada entre os avançados e os conservadores, os radicais e os reaccionários, os operários e os patrões. No dia em que uma das correntes triunfar, adeus república, adeus António Maria da Silva.”
Foi uma destas correntes que triunfou no 28 de Maio, dizendo esse adeus à República e a António Maria da Silva.
3- Se VPV não é capaz de compreender a República também não é capaz de compreender o Salazarismo.
Em primeiro lugar que Salazar não era aquela figura inflexível que se imagina, não era apenas o máximo representante do “viver habitualmente”. É sabido que Salazar jogou sempre com um pau de dois bicos: com os monárquicos ( ao ponto de ter sido proposto para rei de Portugal) e com os republicanos; com Hitler e com os ingleses ( a seguir ao roubo de provisões dos camponeses para abastecimento do exército alemão, ao negócio do volfrâmio, à compra do ouro judeu e aos três dias de luto nacional pela morte de Hitler, veio o estribilho da mais antiga aliança europeia e a cedência da base das Lages); com o partido agrário e com os industrialistas. Sempre para manter o principal motivo que o movia: o poder.
Mais: o salazarismo do final dos anos 50 e do princípio dos anos 60 representa o maior ataque ao “viver habitualmente” ocorrido entre o fim da monarquia e o 25 de Abril, com a expropriação consciente e planeada da riqueza agrícola a favor da industrialização.
Para concluir: na sua pretensa crítica científica aos grosseiros erros históricos do romance de MST, VPV comete erros, no essencial mais grosseiros que aqueles que critica.
1-Num país onde a maledicência é o sal das gentes, não é de estranhar o raivoso ataque levado a cabo por Vasco Pulido Valente ( VPV) contra Miguel Sousa Tavares no PÚBLICO de 24 de Novembro.
E nem sequer é de estranhar a importância que a comunicação social deu a essa descarga de bílis vertida para as páginas do referido diário. A incultura generalizada da comunicação social e do público seu leitor só pode alimentar-se da sub-cultura que constitui este tipo de polémicas.
Não perderia eu tempo com o escrito de VPV se, ao denunciar na blogosfera a sua desonestidade, intelectual não tivesse sido desafiado a provar o que dizia.
Aqui vai a prova.
VPV é um indivíduo que padece de uma vaidade descomunal misturada com um reaccionarismo atávico. São factos notórios, e como tal não carecem de qualquer prova,
O que carece de prova são a falsificação ou a incapacidade de interpretação da História frequemtes em VPV, o que é grave porque nessa área é suposto ser investigador, portanto, especialista.
Procurarei também provar que VPV pode ser muito coisa, até Secretário de Estado, mas crítico literário não é com toda a certeza. E embora RIO DAS FLORES não seja propriamente um bom romance, VPV fez tudo menos a crítica literária que se propôs fazer no seu cínico texto.
2- Quanto à falsificação da verdade histórica, misturada com a calúnia e a ofensa à memória de uma das mais notáveis figuras da nossa História, vamos recuar um pouco, ao artigo publicado VPV no mesmo jornal, em 23 de Novembro.
Aí escreveu VPV:
“Por que sucedeu isto (a “guerra da independênica” despromovida a “guerra peninsular”)? Por causa da subordinação cultural de Portugal à França e ao
VPV falsifica aqui a verdade histórica.
Ao contrário do que afirma VPV, o General Gomes Freire de Andrade foi um grande patriota e um herói nacional.
E não acredito que VPV diga o que diz de Gomes Freire de Andrade por ignorância. Isto porque não me acredito que VPV ignore uma obra essencial para o conhecimento do século XIX português, as “MEMÓRIAS DO MARQUES DE FRONTEIRA E D`ALORNA”, pese embora esta obra nem sequer mereça uma nota de rodapé a indicá-la como fonte no recém-publicado livro de VPV “IR PRÒ MANETA”.
A calúnia a Gomes Freire de Andrade é antiga, vinda sempre das hostes da Igreja Católica e do Miguelismo.
Mas o Marquês de Fronteira, nobre a quem não se pode atribuir qualquer radicalismo liberal, que conheceu pessoalmente Gomes Freire de Andrade, escreveu sobre ele:
“ A concorrência do povo áquellas revistas ( revistas às tropas portuguesas no Campo das Freiras, em Lisboa)…e as demonstrações de sympathia que nelas recebiam os Generaes Alorna e Gomes Freire davam grande cuidado á polícia de Junot.
Um dia, desfilando o regimento de Lippe, em frente do Marquez, o povo gritou: Viva quem nos há-de salvar! Vivam os generaes Marquez de Alorna e Gomes Freire! E o regimento correspondeu aos vivas…” ( Memórias, I-II, pp 44).
Nas suas MEMÓRIAS, o Marquês de Fronteira relata ainda como o Núncio Apostólico em Lisboa, Monsenhor Caleppi, pretendendo organizar em Lisboa um levantamento contra os franceses, “ Empregou todos os meios com os Generaes Marquez de Alorna e Gomes Freire…para conseguir os seus projectos de reacção…” Não o conseguindo “…não porque encontrasse má vontade, mas porque faltavam os meios…” (obra citada, pp.48).
Escreveu ainda, mais à frente, o autor das MEMÓRIAS sobre Gomes Freire de Andrade, e a propósito da conspiração contra os ingleses que dominavam Portugal::
“…os proprios individuos que mais abominam revoluções e conspirações faziam justiça ao patriotismo do chefe da projectada revolta, o General Gomes Freire de Andrade.”( idem, pp. 162). Que “…nunca quis acceitar commissão alguma nos corpos de exercito que invadiram Portugal, pelo que foi sempre considerado pelo Governo prtuguez como general e nunca metido em processo.”(pp.163).
Quando o foi enforcado e o seu corpo queimado e as cinzas lançadas ao mar por liderar a revolta contra o domínio dos ingleses,
“ Foi um dia de lucto para Lisboa, os habitantes recolheram-se em suas casas, a cidade parecia deserta…”
3- Mas vejamos o comportamento daqueles que VPV considera patriotas.
Os embaixadores de Napoleão à Corte de Lisboa “…foram bem acolhidos pelo Principe ( futuro rei D. João VI, e então regente) que fez ao Marechal Lanes a honra de ser padrinho dum dos seus filhos.”
De acordo com o informe do Marquês de Fronteira ( obra citada, pp 32 e 33), já consumada a invasão de Portugal pelas tropas napoleónicas comandadas por Junot, Gomes Freire foi impedido de as defrontar, apesar das forças de Junot rondarem apenas os seis mil homens, que entraram em Lisboa quase todos descalços, e só a guarnição de Lisboa comandada pelos Generais Marquês de Alorna e Gomes Freire dispor de oito mil homens que, sem grandes dificuldades, poderiam ter derrotado os franceses, como pretendiam.
Além do Marquês de Fronteira, também ANA CRISTINA BARTOLOMEU DE ARAÚJO, no seu texto inserido no V volume da HISTÓRIA DE PORTUGAL, de José Mattoso, informa ( pp 22 e 23) como o General Gomes Freire, comandante do Regimento de Infantaria nº 4, apoiado pelo duque de Sussex, filho do rei de Inglaterra, mandou prender um tenente francês, ajudante do conde Novion, comandante da Guarda Real da Polícia, num momento de tensão político- militar conhecido por “ motins de Campo de Ourique”, no qual Gomes Freire procurava enfraquecer a crescente influência na corte do chamado “partido francês”.
Isto basta para demonstrar que VPV falsifica a verdade histórica.
Uma falsificação e uma calúnica que representam o modo de agir do clero e da nobreza ultramontanos, precisamente aqueles que mais contemporizaram com o poder francês e foram responsáveis pelo triunfo, ainda que temporário, da primeira invasão francesa, como antes fica demonstrado.
E qual porquê dessa calúnia?
Porque Gomes Freire de Andrade foi Gão-Mestre da Maçonaria Portuguesa, daquela corrente maçónica que, embora ligada à Inglaterra, lutou contra a tirania e o obscurantismo do clero e da nobreza tradicionais, os primeiros responsáveis da nossa decadência como nação.
Por isso, ainda hoje, e de modo recorrente, os herdeiros desse clero e dessa nobreza, entre os quais se inclui VPV, continuam a caluniar esse grande patriota e libertador que foi Gomes Freire de Andrade.
(continua).