Antes da explosão
Há a nave da fúria
a árvore apaziguadora.
Nas suas folhas nasce
O solitário vento
-Impossível medi-las
Impossível envolvê-las em laços
Nelas respira
O som que salva.
15 Julho 2009
Foi a enterrar Palma Inácio.Não conheço ninguém para quem o amor à liberdade, o amor aos homens, o amor à vida, o amor ao amor tenha tido tanta importância como para Palma Inácio. Certamente que não foi o último dos românticos. Mas foi, sem dúvida, um ser superior que se guiou pelo sentimento e pela razão.
Tendo dado tanto aos outros, morreu com a ajuda de amigos e uma pobre pensão. Talvez ele, bem lá no fundo, não quisesse mais.Talvez a sua alma vagabunda ficasse perturbada com o dinheiro porque o seu desejo era apenas amor e liberdade.
Os medíocres deste país recusaram-lhe a Ordem da Liberdade, ingratidão da Pátria para com um dos seus melhores filhos que só Jorge Sampaio veio reparar.
Vai já há bastantes anos que um amigo comum me disse que o encontrara em Lisboa, num botequim, com duas belas mulheres sentadas nas suas coxas.
É esta a última feliz imagem que guardo de Palma Inácio. Com a do seu vôo de avião sobre o céu de Lisboa a espalhar panfletos apelando à libertação da Pátria.
Dificilmente concebo outras imagens melhores de um homem do tempo de Palma Inácio.
17 Julho 2009
...
Já nem penso na D. Manuela. Só me interrogo porque será que o "Senhor Silva" não põe na ordem esse palhaço perigoso que é Alberto João Jardim.
Com ele, o abandalhamento do poder atinge os limites do concebível. E se Cavaco Silva é o garante das instituições democráticas, o seu silêncio perante a proposta do energúmeno de acabar com os partidos que não lhe agradam significa cumplicidade, ou, pelo menos, cobardia.
...
(conto-fragmento)
À noite, a vara com que fazia correr o arco das felizes horas transformava-se na serpente, de cauda segurada pelas minhas mãos.
Acontecia-me também limpar os lábios com uma faca.
Trincar ao meio os bichos da seda.
Às vezes, da cafeteira da manhã desabava um nevoeiro quente onde eu me iria perder para sempre.
Protegia-me então enfiando a cabeça debaixo dos cobertores - arte de fuga que aprendi com os pica-paus no ventre dos pinheiros.
Mas de nada valia a lã.
Quanto mais fechava os olhos mais as estrelas voavam para mim transformadas em bolhas de azeite fervente, ameaçadoras.
-Olá menina de seda. Frente a ti, todo o azul se transforma. Voz efémera. Tenho sete anos, mas imensos nomes. Todos eles desejam amar-te.
-Olá menina escarlate. Todos os meus nomes desejam oferecer-te crisântemos, para neles fazerem o teu trono.
Cicia-me a menina de seda amarela:
-Há uma mancha vermelha no meu lençol. Os meus anos são mais altos do que os teus.
HENRIQUE DÓRIA- Viagem Para Uma Nebulosa