blog filosófico, cultural e político
Domingo, 21 de Fevereiro de 2010
VENEZA A VÔO DE AVE

Dois dias são demasiado pouco para visitar Veneza. Mesmo a vôo de ave. Por isso tive de fazer uma escolha muito limitada para esses dois dias de visita a Veneza de que dispunha. E escolhi: S. Marcos, o Palácio Ducal, Escola Grande de S. Rocco, Lido, Academia. Passeio diurno e nocturno. E imergir no Carnaval que, naqueles dias, está por todo o lado.

Como fiquei em Mestre ( os hotéis de Veneza estavam todos esgotados) e a entrada na cidade está vedada ao trânsito de autocarros, tive de descer na Praça de Roma e ir a pé daí até S. Marcos, o que significa atravessar a pé toda a cidade.

Passeio admirável para descubrir quanto Veneza é tributária da herança bizantina e árabe, pelas suas ruas estreitas, onde, às vezes, mal cabem duas pessoas, pelos seus edifícios deslumbrantes onde o topo das janelas e das portas nos faz parecer que estamos face a mesquitas por todo  lado.

Veneza é, sem dúvida, a cidade mais bela que conheci, muito mais bela mesmo do que a bela Bruges que, pelos seus canais, lhe é tão semelhante.

Tive a sorte de, neste tempo de invernia por toda a Europa, ter recebido a dádiva do sol de Veneza. Foi um banho de água e luz, luminosa água, luz aquosa, caminhando pelas ruas, viajando de vaporetto pelos canais.

S. Marcos é, sem dúvida, o centro espiritual de Veneza. Aquela praça frente ao mar, aquela Catedral onde se encontra concentrado todo o esplendor de Bizâncio! Apetece gritar: oh!cúpulas, oh! frontões, oh! mosaicos, oh! ícones! E ajoelhar perante tanta beleza.

Depois o Palácio Ducal, a espantosa exibição da magnificência do poder através do ouro e da beleza. Sentimo-nos esmagados pelo poder e pela beleza. Para mim, particularmente esmagado por aquele imenso Tintoretto, representando O PARAÍSO, que se encontra na Sala do Conselho Maior.

Tintoretto, mais ainda que Canaletto, foi o pintor de Veneza, pois deixou em Veneza o essencial da sua obra. A começar por este PARAÍSO.Tintoretto morreu pouco depois de o ter pintado. Em santidade, porque naquela beleza está a justificação de toda uma vida. 

Mas Tintoretto está por todo o lado na Escola Grande de S. Rocco ( entre nós S. Roque). A Escola de S. Rocco era uma associação de beneficência semelhante à nossa Misericórdia.Fez um concurso para a decoração das suas salas, tendo saído vencedor o grande Tintoretto. Tive já a oportunidade de ver no Prado, há cerca de cinco anos, a maior mostra de Tintoretto apresentada até hoje, incluindo alguns quadros que se encontram em S. Rocco, em particular A ADORAÇÃO DOS PASTORES. Mas a beleza das pinturas em S. Rocco é ainda maior que no Prado, porque em S. Rocco estão no espaço para o qual foram concebidas.

Esta ADORAÇÃO DOS PASTORES é absolutamente invulgar, porque absolutamente humana, ao ponto de ter substituído o burrinho por um galo na representação do presépio.

O complexo monumental de S. Rocco faz-nos lembrar o lisboeta, e belísimo também, complexo monumental de S. Roque. Mas S. Rocco tem o Tintoretto que o torna único no

mundo.

Finalmente, a noite de Veneza, no primeiro dia. Os italianos dão-se ao luxo de desperdiçarem o supremo encanto que poderia ter a beleza nocturna de Veneza, deixando a cidade com uma iluminação tão má como a da minha aldeia nos anos 60.

Ver toda aquela beleza dos edifícios e dos canais  bem iluminados na noite veneziana seria um encontro com o amor.

Com aquela pobre iluminação, foi um encontro com a melancolia.

 



publicado por henrique doria às 09:09
link do post | comentar | ver comentários (2) | favorito

Quarta-feira, 17 de Fevereiro de 2010
VIAGEM A ITÁLIA

Esta Itália que acabo de visitar pela primeira vez faz-me lembrar o verso de Camilo Pessanha: " Eu vi a luz em um país perdido".

Talvez não haja país no mundo onde a beleza artística seja tão grande como em Itália. Mas, para lá dessa beleza que às vezes nos exalta, outras nos faz chorar, outras nos esmaga, há um país moralmente degradado e degradante: a confusão, a sujidade, a ausência de simpatia com os estrangeiros, a falta de carácter dos italianos é a marca da Itália de hoje.

E, no entanto, a Itália possui uma elite intelectual que é, sem dúvida, do melhor que há no mundo actual.

Então porquê esta esquizofrenia nacional? Os intelectuais encontram-se longe do italiano médio, e são tudo menos os intelectuais orgânicos de que falava GRAMSCI? Ou, por parte da generalidade dos italianos, há uma recusa ostensiva do pensamento e da criação? Estou certo que é esta segunda hipótese a que se verifica. Pela generalidade dos italianos há uma recusa dos intelectuais e artistas, e uma atracção pelo medíocre, pelo vulgar, pelo aldrabão, pelo sujo, que fazem da Itália o que ela é hoje. Só assim, aliás, se consegue compreender a presença no poder dessa figura simultâneamente sinistra e baixa que é Berlusconi. O resultado do poder desse gigolo nacional italiano encontra-se na degradação do país que governa, nomeadamente pela currupção, pela "tangente": Só no último ano, a currupção e a tangente subiram, na Lombardia, principal base de apoio de Berlusconi e do seu governo, cerca de 200%.

 



publicado por henrique doria às 23:23
link do post | comentar | ver comentários (2) | favorito

Quinta-feira, 4 de Fevereiro de 2010
CRISTINA CAMPO E O AMOR A DEUS

Compreendi, através da prosa divina de CRISTINA CAMPO, como é possível alguém invulgarmente inteligente acreditar em Deus.

Quando Cristina Campo escreve:

" « Que eu jamais queira pedir-te amor» deveria ser o voto recíproco dos amantes",

eis onde está a crença em Deus que, nas palavras de Cristina Campo, não significa mais que o indizível, incompreensível Amor.

Mas, aqui, a cristã Cristina Campo, sentindo-se no mundo como num campo de concentração, pretende ultrapassar os ensinamentos de Cristo.

Não foi Cristo que disse: "Amarás... o teu próximo como a ti mesmo."?

Nestas palavras estava Cristo a dizer-nos que o limite do amor ao outro é o amor a si mesmo, e que o amor a si mesmo é o ponto de partida para o amor ao outro, mas também o ponto de chegada.

Dito de outra maneira: o amor ao outro é o melhor caminho para o homem se amar a si próprio.

Cristina Campo critica Job porque " não teve nenhum respeito por Ele, nem reserva, nem discreção." Mas Job era apenas homem, e até aceitou resigandamente perder os seus bens e a sua saúde. Mas como poderia Job aceitar a perda de seus filhos que nenhuma culpa tinham dos pecados do pai, que nenhuns pecados cometera, mas servia apenas de joguete entre Deus e o Demónio?

Ele era apenas humano, o seu amor nunca poderia ser infinito, pois nem infinito é o amor de Deus pelos homens. Porque Deus há-de julgar e condenar a grande maioria dos homens, aceitando assim a perda do seu amor por eles ( apesar de Giovani Papini os tentar salvar a todos, de Gilles de Rais a Tamerlão e a Sade, no seu JUÍZO UNIVERSAL - mas não já ao sádico Hitler nem ao cínico Stalin).

Na verdade, o credo cristão, embora Lucas coloque na boca de Cristo as palavras: " mas aqueles que forem julgados dignos de participar do outro mundo, e da ressurreição dos mortos, não se casam nem são dados em casamento, porque já não podem morrer: são semelhantes aos anjos...", apesar disso, o credo cristão tem como princípio de fé a ressurreição da carne. E tal não pode significar outra coisa que, até na ressurreição, o homem não deixará de ser homem.

Por isso, o amor do homem apenas poderá ser humano, aceitando a perda.

A crença e o infinito amor a Deus eram uma miragem de Cristina Campo.

Porque o deserto nunca estará prenhe de água.

Porque ao homem nunca será dado ouvir, como pretendia HAKUIN no seu koan, " o aplauso de uma só mão."

 



publicado por henrique doria às 21:25
link do post | comentar | ver comentários (2) | favorito

mais sobre mim
pesquisar
 
Junho 2019
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1

2
3
4
5
6
7
8

9
10
11
12
14
15

16
17
18
19
20
21
22

23
24
25
26
27
28
29

30


posts recentes

FRAGMENTO

VÊS-TE ELEITO ENTRE AS ES...

FRAGMENTO

VASOS

FRAGMENTO

O FUTURO DEVOROU O PASSAD...

FALO DAS COISAS SÉRIAS DA...

FRAGMENTO CONTRA CIORAN

UMA ESTRELA NA BOCA

FRAGMENTO

arquivos

Junho 2019

Março 2019

Fevereiro 2019

Dezembro 2018

Novembro 2018

Outubro 2018

Setembro 2018

Agosto 2018

Julho 2018

Maio 2018

Fevereiro 2018

Dezembro 2017

Outubro 2017

Agosto 2017

Julho 2017

Junho 2017

Maio 2017

Abril 2017

Março 2017

Fevereiro 2017

Janeiro 2017

Dezembro 2016

Outubro 2016

Setembro 2016

Julho 2016

Junho 2016

Maio 2016

Abril 2016

Fevereiro 2016

Janeiro 2016

Dezembro 2015

Outubro 2015

Agosto 2015

Julho 2015

Junho 2015

Maio 2015

Abril 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Setembro 2013

Agosto 2013

Julho 2013

Junho 2013

Abril 2013

Março 2013

Dezembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Junho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Janeiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Agosto 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

Abril 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Outubro 2008

Setembro 2008

Agosto 2008

Julho 2008

Junho 2008

Maio 2008

Abril 2008

Março 2008

Fevereiro 2008

Janeiro 2008

Dezembro 2007

Novembro 2007

Outubro 2007

Setembro 2007

Agosto 2007

Julho 2007

Junho 2007

Maio 2007

Abril 2007

Março 2007

Fevereiro 2007

Janeiro 2007

Dezembro 2006

Novembro 2006

Outubro 2006

Setembro 2006

Agosto 2006

Julho 2006

Junho 2006

Maio 2006

Abril 2006

Março 2006

Fevereiro 2006

Janeiro 2006

Dezembro 2005

Novembro 2005

Outubro 2005

Setembro 2005

Agosto 2005

Julho 2005

Junho 2005

Maio 2005

Abril 2005

Março 2005

Fevereiro 2005

Janeiro 2005

Dezembro 2004

Novembro 2004

Outubro 2004

Setembro 2004

Agosto 2004

Julho 2004

Junho 2004

Maio 2004

Abril 2004

Março 2004

blogs SAPO
subscrever feeds