blog filosófico, cultural e político
Domingo, 20 de Junho de 2010
NA MORTE DE SARAMAGO, HONRA À SUA LUCIDEZ

Só um espírito pequenino e medíocre não admirará em Saramago a grandeza do obra e do homem. À partida, tudo estava contra aquele camponês nascido na Azinhaga do Ribatejo, a começar pela pobreza e pela a pequenez do mundo em que nasceu e cresceu. E, no entanto, talvez nenhum português como ele tenha levantado tão alto o nome de Portugal. Mas a sua grandeza está mais ainda no facto de não ter sido apenas a fama que buscou. Esse operário sempre em construção foi, sobretudo, um homem no seu mundo, com todas as virtudes - muitas - e defeitos- alguns - que teve.

Na sua obra, que é, sem dúvida, o que dele mais perdurará, encontramos dois cumes da prosa portuguesa: MEMORIAL DO CONVENTO  e ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA. Pessoalmente, considero o ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA o maior romance português publicado depois de A SIBILA, de Agustina Bessa Luís.

Não é só por ter recebido o Nobel que deve ser considerado notável. SARAMAGO é, certamnte, o mais notável romancista português depois a EÇA DE QUEIRÓS ( não considerando os enormes RAUL BRANDÃO  e PESSOA/ BERNARDO SOARES como romancistas).

Como EÇA foi um espírito aberto ao mundo. Mas sem nunca deixar de ser profundamento português, como CAMILO.

Sobre o homem, recordo uma conversa acesa que com ele tive há meia dúzia de anos. Em público, depois de ouvir as suas lamentações sobre o mundo de hoje e o mundo que há-de vir, disse-lhe, com crueldade e arrogância tonta, que tudo isso era o discurso de um velho, porque todos os velhos dizem que o tempo era bom quando eram jovens. Mas que o futuro seria para a humanidade melhor que o presente, como o presente já era muito melhor que o passado. Eu, um pessimista profundo, fiz de SARAMAGO, o optimista militante ( porque todo o comunista é um optimista militante), um pessimista militante.

Porém, quando lhe pedi para autografar o seu ENSAIO SOBREE A CEGUEIRA, disse-lhe, em particular, que ele era das pessoas mais jovens que conhecia.

Em ambos os momentos estava a ser sincero: a sua luta apaixonada, e até ao fim da vida, a favor da dignidade do homem e contra os poderosos que aviltam a humanidade, tornava-o profundamente jovem, pese embora esse discurso tão pessimista sobre o mundo de hoje e o de amanhã.

Se em tempos mostrou um acanhado espírito de seita, foi abandonando esse espírito ao longo dos últimos 30 anos e tornando-se, como poucos, um homem livre e sem preconceitos.

Neste dia em que foi a sepultar, honra à sua grande alma, honra ao grande escritor.

 



publicado por henrique doria às 22:12
link do post | comentar | ver comentários (4) | favorito

Domingo, 6 de Junho de 2010
MORREU VOZNESSENSKY

        

Soube pela Mila que, no dia 1 deste mês de Junho, morreu Andrei VOZNESSENSKY, um dos nomes maiores da poesia russa e universal do século XX.

Quantos dos que enchem as páginas dos jornais que lemos saberiam sequer o seu nome? Por isso a sua morte não foi notícia de jornal e, muito menos, de televisão. Mas, para quem não saiba, aqui fica a informação: o seu livro de poemas CORAÇÃO DE AQUILES  intingiu uma tiragem de 500.000 ( sim, quinhentos mil!) exemplares! VOZNESSENSKY conseguia encher um estádio com pessoas a ouvirem-no declamar os seus poemas. Em 1970, um seu livro vendeu 100.000 exemplares num só dia! Nesse dia 15 de Abril, todos os exemplares foram arrebatados das livrarias, e formaram-se bichas para os comprar. Nascido a 12 de Maio de 1933, VOZNESSENSKY era uma personalidade multifacetada: arquitecto, pintor e poeta.

Merecia tanto o Nobel como Brodsky.

Nunca foi um alinhado com o regime soviético, mantendo a sua liberdade apesar das críticas oficiais, uma delas dirigida pessoalmente por Krutchev. Foi impedido de se deslocar ao estrangeiro pelo regime soviético, mas a queda do “comunismo” foi relegando VOZNESSENSKY para a sombra.

Não deixou, porém, de ser uma voz luminosa para aqueles que o conheciam.

Escreveu um dia:

 

NOITE

 

Tantas estrelas!

Tantos micróbios nesta atmosfera

 

Mas ele será sempre um estrela a iluminar a noite dos que amam a verdade e a beleza.

 

Em sua homenagem aqui transcrevo um outro poema seu:

 

OUTONO EM CIGULDA

 

Salto para a plataforma do comboio

e digo adeus.

Adeus, Verão.

Mas já sinto saudades

Da datcha onde o martelo soa.

Fecham a minha casa de madeira.

Adeus.

 

As árvores perderam já as folhas

E agora, nuas e tristes,

São como um acordeão

sem música.

E nós, nós

também somos estranhos,

partimos,

como se fosse assim determinado,

do erg,

das mães

      e das mulheres,

assim tem sido sempre assim será.

 

Adeus, Mãe,

começas  a ficar já transparente

à janela, como num casulo.

O dia extenuou-te, certamente,

e só nos resta descansar.

 

Amigos e inimigos, good-beye!

Em breve, quando soar o silvo do comboio

vocês, aí, vão ficando para trás

e eu vou-me afastando de vocês.

 

Despeço-me da terra.

Serei talvez estrela ou salgueiro branco,

mas não irei chorar, não sou nenhum pedinte.

E agradeço à vida que passou.

 

Nos campos de combate,

tentei matar, poupando as munições,

mas não fui capaz

e pela terceira vez digo obrigado,

porque entre as pás transparentes a vista penetrava

como um punho de sangue

em luvas de borracha.

 

”Andrei Voznessensky” tu vais ficar

no rosto de quem amas

não com palavras de pedra

mas como “Andriuchka”, simplesmente.

 

Obrigado porque apareceste, e era Outono,

surgiste entre os arbustos, disseste qualquer coisa,

e arrastavas o cão pela coleira,

obrigado,

 

senti-me renascer, e foste tu

que me revelaste o Outono,

a dona de casa acordava-mos às oito,

e nos dias de festa cantava com voz rouca,

como um disco em calão,

meu amor, obrigado,

 

tal como o comboio

também tu te afastas,

foges do Outono que havia nos meus campos,

já separados, fugimos um do outro,

mas aquela casa porque não é nossa?

 

Estarás perto e longe, algures, em Vladivostoque.

 

Sei que nos iremos repartir

por homens e mulheres que surgirão mais tarde

e um de nós substituirá o outro

por entre os prados,

“a natureza tem horror ao vazio”.

 

Agradeço aos ramos que desaparecem.

Outros virão e assim eternamente.

É essa a lei que rege a natureza.

 

Uma mulher desliza pela colina

folha ou fagulha que o comboio arrasta.

 

Salva-me!



publicado por henrique doria às 16:14
link do post | comentar | ver comentários (4) | favorito

Quinta-feira, 3 de Junho de 2010
POR UM PARTIDO DE JUSTIÇA

Na sequência de Rawls, mas indo mais além, tenho para mim que as desigualdades são desejáveis desde através delas se obtenha um nível de bem estar geral superior ao que se obteria com a igualdade. Dito de outro modo, desde que essa desigualdade permita  um aumento do bem estar dos estratos com rendimentos inferiores à média superior ao que seria conseguido com maior igualdade.
Confesso que estou convencido que Rawls, como pensador honesto que era, não desdenharia totalmente esta formulação.
Mas isto é ainda muito vago, e creio que a Justiça e a democracia se controiem não só na vida pública mas na vida empresarial.

Esta tem andado totalmente arredada da democracia.

Os pensadores de esquerda são avessos a pensar nela, mas é sobretudo a ela que a democracia deverá chegar.
Aí creio que são essenciais dois princípios, como o mostrou a actual crise:
a)Participação relevante do Estado em todas as empresas económica e socialmente relevantes.
b)Participação dos trabalhadores em decisões essenciais para a vida das empresas:1º grelha salarial.2º destino ds lucros 3º deslocalização



publicado por henrique doria às 12:38
link do post | comentar | ver comentários (2) | favorito

mais sobre mim
pesquisar
 
Junho 2019
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1

2
3
4
5
6
7
8

9
10
11
12
14
15

16
17
18
19
20
21
22

23
24
25
26
27
28
29

30


posts recentes

FRAGMENTO

VÊS-TE ELEITO ENTRE AS ES...

FRAGMENTO

VASOS

FRAGMENTO

O FUTURO DEVOROU O PASSAD...

FALO DAS COISAS SÉRIAS DA...

FRAGMENTO CONTRA CIORAN

UMA ESTRELA NA BOCA

FRAGMENTO

arquivos

Junho 2019

Março 2019

Fevereiro 2019

Dezembro 2018

Novembro 2018

Outubro 2018

Setembro 2018

Agosto 2018

Julho 2018

Maio 2018

Fevereiro 2018

Dezembro 2017

Outubro 2017

Agosto 2017

Julho 2017

Junho 2017

Maio 2017

Abril 2017

Março 2017

Fevereiro 2017

Janeiro 2017

Dezembro 2016

Outubro 2016

Setembro 2016

Julho 2016

Junho 2016

Maio 2016

Abril 2016

Fevereiro 2016

Janeiro 2016

Dezembro 2015

Outubro 2015

Agosto 2015

Julho 2015

Junho 2015

Maio 2015

Abril 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Setembro 2013

Agosto 2013

Julho 2013

Junho 2013

Abril 2013

Março 2013

Dezembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Junho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Janeiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Agosto 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

Abril 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Outubro 2008

Setembro 2008

Agosto 2008

Julho 2008

Junho 2008

Maio 2008

Abril 2008

Março 2008

Fevereiro 2008

Janeiro 2008

Dezembro 2007

Novembro 2007

Outubro 2007

Setembro 2007

Agosto 2007

Julho 2007

Junho 2007

Maio 2007

Abril 2007

Março 2007

Fevereiro 2007

Janeiro 2007

Dezembro 2006

Novembro 2006

Outubro 2006

Setembro 2006

Agosto 2006

Julho 2006

Junho 2006

Maio 2006

Abril 2006

Março 2006

Fevereiro 2006

Janeiro 2006

Dezembro 2005

Novembro 2005

Outubro 2005

Setembro 2005

Agosto 2005

Julho 2005

Junho 2005

Maio 2005

Abril 2005

Março 2005

Fevereiro 2005

Janeiro 2005

Dezembro 2004

Novembro 2004

Outubro 2004

Setembro 2004

Agosto 2004

Julho 2004

Junho 2004

Maio 2004

Abril 2004

Março 2004

blogs SAPO
subscrever feeds