A Nietzsche, O Crepúsculo dos Deuses.
1º
Não quero, de uma vez por todas, saber muitas coisas.-A sabedoria também traça os limites ao conhecimento.
Sabedoria: saber alguma coisa muito importante entre algumas coisas.
2º
Mediante a sua natureza selvagem, o homem liberta-se da sua não natureza, da espiritualidade...
Só construindo a sua alma o homem diminuirá o poder do seu cérbro reptiliano.
3º
Como? É o homem apenas um erro de Deus? Ou é Deus unicamente um erro do homem?
O homem é apenas a conjugação do acaso e da necessidade. E Deus uma resposta ao medo dos homens face ao acaso e à necessidade.
4º
Ajuda-te a ti mesmo: em seguida, todos te ajudarão.Princípio do amor ao próximo.
O cinismo é o caminho mais curto para a solidão.
5º
Pode um burro ser trágico? - Sucumbir sob o peso que não se pode levar nem rejeitar, eis o caso do filósofo.
Mas todo o burro é trágico, como o demonstrou Robert Bresson em Peregrinação Exemplar: o seu horizonte é a morte.
( artigo publicado no semanário Grande Porto)
Um estudo feito por cientistas da universidade de Chicago, e recentemente publicado na revista Science, provou que os ratos sentem empatia entre eles.
O estudo consistiu no seguinte: colocaram-se dois ratos dentro de uma caixa de plástico transparente, fechada, mas cuja porta poderia ser aberta do interior e do exterior.Um pouco afastado da caixa colocaram um chocolate. Depois de aberta pelo interior, a porta fechava imediatamente logo que o primeiro rato saísse, deixando o outro rato fechado. O rato que conseguira sair dirigia-se ao chocolate. Mas, perante o chamamento do seu amigo enclausurado, em vez de se virar ao chocolate e o comer só ele, voltava para trás, libertava o amigo, e partilhavam ambos o chocolate que os investigadores tinham colocado à sua disposição.
Face a esta admirável lição de solidariedade entre os ratos ( pelos vistos partilhada por outros animais, nomeadamente macacos) não podemos deixar de nos lembarar das doutrinas dos economistas liberais que dominam o mundo contemporâneo, incluindo este pobre país agrícola, como dizia Salazar.
Segundo os liberais, esse comportamento solidário dos ratos, transposto para os humanos é altamente reprovável, porque antieconómico, e, quiçá, antihumano. Na verdade, seguindo o raciocínio liberal, o comportamento lógico dos ratos em situação idêntica deveria ser o seguinte:o rato que conseguiu safar-se primeiro da gaiola deveria dirigir-se ao chocolate e comê-lo todo. Só depois, e se não tivesse um pedaço de queijo que lhe cheirasse, voltaria para trás a libertar o seu colega.
Também seguindo o raciocínio liberal, adoptando este comportamento de rato economicus, daqui resultaria que, por efeito de uma mão invisível, os dois ratos acabariam por ficar bem e contribuir para o progresso geral da classe dos ratos. Mesmo que um comesse o chocolate quase todo e o outro se esganasse de fome, e ainda que tal acontecesse repetidamente, porquanto um dos ratos era mais apto que outro.
É claro que o rato mais apto, depois de abocanhar quase todo o chocolate existente, se tivesse os sentimentos de solidariedade cristã dos liberais, sempre daria uns restinhos de chocolate ao seu colega menos apto. Este ficar-lhe-ia eternamente grato, e o mais apto teria montanhas de chocolate como prémio no reino dos céus.
Mas o que os liberais querem para os humanos não o querem os ratos para eles. Preferem a solidariedade, e partilhar com os menos aptos a doce comida que lhes é dada.
E, então, falando em sentimentos e dignidade humana, só poderos concluir: os liberais colocam os humanos abaixo de ratos.
Os anos fixam-se ao céu como nuvens cor de púrpura que passaram por mim, distantes de tudo e de mim, voando devagar com a serenidade de anjos frios.
Como os anos, como as nuvens, eu tenho passado o tempo com indiferença e esquecimento, alheia a mim mesma porque igual a mim mesma, nem feliz nem infeliz, porque essas categorias da alma não têm sentido naquela que já não consegue ser outra coisa senão igual a si mesma.
Mas ontem foi o dia em que eu surgi à luz curva do mundo. E um homem que eu quase esquecera lembrou-se de mim, lembrou-me que, outrora, eu fora uma mulher diferente de mim mesma, que tivera paixões, paisagens, estados de alma.
Como estou? Por onde tenho andado? O que tenho feito?
De súbito, não lhe soube responder a estas perguntas que, há muito, eu me esquecera de fazer a mim mesma.
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HENRIQUE DÓRIA- Viagem para uma Nebulosa
"A que se reduz afinal a vida? A um momento de ternura e mais nada...De tudo o que se pasou comigo só conservo a memória intacta de dois ou três rápidos minutos. Esses sim! Teimam, reluzem lá no fundo, inebriam-me, como um pouco de água fria embacia o copo."
Não conheço mais belo livro de memórias. E creio bem que não o haverá, em parte nenhuma do mundo. Esse amor ao homem, às suas raízes, essa sensibilidade quase nevrótica, essa beleza que nos dói de tanto a amarmos, é toda a escrita de Raul Brandão. Mas nas MEMÓRIAS é o seu mundo, um mundo em mudança. Onde deixámos de crer e ainda não cremos.
Aquele mundo, o mundo de Raul Brandão, é nosso contemporâneo. Com as suas farsas, com os seus palhaços, com os seus pobres e, sobretudo, com o seu HÚMUS.
Neste mundo de simulacros, em que o próprio Satanás morreu estrangulado em ondas artezianas, o homem está a ser levado pelo poder a abdicar de si próprio. Este mundo quer transformar-nos em seres impotentes, em NEFELIBATAS.
Raul Brandão ensina-nos o único caminho para começarmos a crer: a ternura.
HENRIQUE DÓRIA- Comentários