-Tornas-te desprezível por defenderes seres desprezíveis, Temístocles.Olha para eles, os cobardes. Os seus rostos chafurdam com os porcos. Os seus dentes, os que têm, e o ar da sua boca causam-me vómitos.Os seus antepassados não são mais que larvas.
É a esses que eu devo apelar com o rosto retalhado pelas cicatrizes dos combates em que empunhava a espada triunfante de Roma enquanto eles fugiam da batalha guinchando como cães borrados mal ouviam os urros das primeiras linhas dos inimigos?
É a esses que eu devo bajular para ter algum poder na cidade?
É a esses que eu devo suplicar a honra de ser cônsul?
Eu que ganhei essa honra por mérito próprio no campo de batalha?
Quero-os é a bailar todos numa forca!
Dizes que são o sal da terra, mas não passam de excrementos da terra. Dizes que têm direito à dignidade, mas que dignidade há nos cobardes, nos que rastejam como vermes para obterem comida e, se a obteem, logo de seguida deixam de trabalhar? Observa os rostos quando lhes falta alimento: parecem ratos esfomeados que lutam uns com os outros até se matarem.
Se não fôssemos nós, os patrícios, os seus tutores, haviam de matar-se e comer-se uns aos outros. Estão sempre dispostos a glorificar os que triunfam mas, no dia seguinte, a humilhar os que glorificaram antes se estes passarem à condição de vencidos. Roma, para eles, não é a sua pátria mas apenas o lugar onde chafurdam na lama mais nojenta.
Ter compaixão, agir com fraqueza, são os primeiros passos para aceitar a dissolução da pátria, a desordem e a desonra daqueles que têm cabeça e não vísceras para se conduzirem.
Só a força e o medo os pode impedir de não matarem os que têm a honra, a coragem, o respeito pela família e pelos antepassados.
Queres que os respeite ou os ame por serem desgraçados? Preferia que me cuspissem no rosto a ter essa fraqueza.
- Eu Temístocles, o amigo do povo, te digo: não passas de um tempo que passa, Coriolano.
Tu que te dizes descendente do glorioso Eneias e do seu remoto ramo, a puríssima virgem Rea Sílvia, mãe consagrada que concebeu pelo espírito do poderoso Marte aquele que foi abandonado às águas, mas sempre vigiado pelo seu pai protetor; tu que te dizes descendente desse Rómulo que foi alimentado pela loba na gruta sagrada, daquele que com a vara traçou os limites da cidade da força sob a sombra da Figueira Ruminal. Tu que te queres digno dos feitos do teu antepai Eneias, filho de Deus e semelhante aos deuses, tu também hás-de perecer como qualquer mortal e de ti há-de restar apenas uma sombra perdida no pântano infeto para onde te há-de levar o andrajoso barqueiro.
O tempo dos heróis vai passar e dará lugar ao tempo dos senhores que o são apenas pelo sangue dos heróis que neles ainda pode correr.
Mas também este tempo dos senhores pelo sangue há-de passar e dar lugar a um outro tempo impuro, o tempo dos que dominarão a terra apenas pelo poder do vil metal. Para esses já não conta o sangue celeste mas tão só o metal forjado no reino de Vulcano.
Mas também o tempo destes há-de passar. E aqueles que nunca foram Homens, dos que foram primeiro escravos, depois servos da terra, depois servos das máquinas, o tempo de todos se chamarem Homens, cidadãos da terra, há-de chegar.
Vós os senhores de Roma servis-vos da plebe para as vossas conquistas. Dizeis a esses desgraçados que eles lutam por Roma, pelos seus deuses, pelo seus antepassados, pelos seus túmulos. Mas Roma para eles é apenas a cerca do Asilo no monte Aventino, onde têm por teto as grutas, outrora habitadas pelos lobos, ou a luz e o ar.
Os deuses e os espíritos dos antepassados desprezaram-nos e abandonaram-nos porque não têm sequer um altar para manter o fogo sagrado, ou para lhes orar, para lhes fazer sacrifícios ou libações. Dizeis-lhes que lutam por Roma, mas quem se apropria do saque sois apenas vós, os patrícios. Quem distribui para si mesmos as terras conquistadas aos derrotados pelos braços da plebe sois vós, os patrícios. E, quando os plebeus desgraçados voltam às terras e à família que abandonaram para lutarem por Roma, têm de vender as terras para pagarem as dívidas contraídas para alimentarem a mulher e os inocentes filhos enquanto eles lutavam por Roma. Porque se não pagassem essas dívidas seriam tão só reduzidos à escravidão por aqueles mesmo que os incitaram a lutar pela glória de Roma.
Dizes que desprezas o luxo Coriolano. Mas o teu luxo é o teu orgulho, a tua vontade de te exaltares aos olhos da tua venerada mãe. E eles, os plebeus que tu desprezas, são a carne que alimenta o teu orgulho, porque sem eles tu nada serias. E tens ainda outro luxo: que é o de alimentares o luxo dos poderosos de Roma para que eles sintam que esse luxo o devem a ti.
É por ti e por esses orgulhosos e devassos patrícios que eles lutam, dão o seu suor, o seu sangue e as suas lágrimas. Eles são a carne que alimenta o luxo dos poderosos.
E, no entanto, todos sabem que sem esses desgraçados, Roma nada seria.
Mas essa imensa turba rude e esfaimada que sempre foi o chão onde mijaram todos os senhores, esses que pelos tempos dos tempos foram tratados como crianças da humanidade, esses hão-de crescer, hão-de tornar-se jovens, e adultos, e hão-de alcançar a sua dignidade de Homens para com ela alcançarem a dignidade desta espécie má, egoísta e cínica que é a espécie dos homens.
Eles hão-de transformar o homem em Homem, uma palavra que, afinal, nem tu nem eles ainda sabem soletrar.
Criei-te para lutares pela grandeza de Roma e não para seres o seu destruidor. Roma deve ser o teu desígnio, não a tua vingança. Se deixares Roma em paz serás lembrado como aquele que fez com que Roma tivesse a glória que um dia terá. Serás grande pela grandeza que Roma vier a alcançar, nunca pela sua destruição. Essa será amaldiçoada pelos espíritos dos nossos antepassados e pelos próprios deuses. Escuta a sua voz que te diz que deixes Roma em paz. Adivinha o voo das aves sagradas, adivinha as sombras nas entranhas das pombas, escuta as vozes que se erguem do fundo da terra. Escuta a divina sibila. Todos eles te dirão que Roma será grande e, um dia, haverá de dominar o mundo. Faz com que se cumpram os oráculos. Abandona o cerco da cidade sagrada dos teus antepassados para que os oráculos se cumpram.
Encho a boca com estas favas negras para as lançar húmidas à terra com a minha saliva.
Com estas favas me redimo a mim, à tua mulher, ao teu filho e a Roma.
Com estas favas me redimo a mim, à tua mulher, ao teu filho e a Roma.
Com estas favas me redimo a mim, à tua mulher, ao teu filho e a Roma.
Com estas favas me redimo a mim, à tua mulher, ao teu filho e a Roma.
Com estas favas me redimo a mim, à tua mulher, ao teu filho e a Roma.
Com estas favas me redimo a mim, à tua mulher, ao teu filho e a Roma.
Com estas favas me redimo a mim, à tua mulher, ao teu filho e a Roma.
Com estas favas me redimo a mim, à tua mulher, ao teu filho e a Roma.
Com estas favas me redimo a mim, à tua mulher, ao teu filho e a Roma.
Ouve a voz da tua mãe Coriolano, a que te roga, a que implora piedade, a que se ajoelha frente ao seu próprio filho sobre o qual sempre ergueu o braço e o ricínio. Olhas para o povo romano como a serpente que comeu ervas malignas e abres a temível boca prestes a destruir com o seu veneno aqueles em cujo seio foste criado. Seguro os teus joelhos oh vingador dos romanos ingratos. Quando foste expulso da cidade pensei que nunca mais veria aquele que era a minha alegria, o meu orgulho e o meu repouso. Se o não matasse a humilhação nem a fome nem os lobos dos montes haveriam de matá-lo os volscos a quem mais do que nenhum outro homem sobre a terra eras odioso. Quando soube que estavas vivo entre os inimigos de Roma o meu coração voltou a alegrar-se e encheu-se de esperança do teu regresso. Mas o teu regresso foi a maldição de Roma. Tu, o meu filho único, o protegido de Marte e do Janus bifronte que tudo sabe e tudo vê, tinha-se transformado no mais duro inimigo da mãe Roma.
Mas justifica-se que pela injustiça de alguns sofram todos os romanos? Sofra Valéria, a tua mulher, sofram os teus filhos que ainda há pouco começaram a balbuciar tímidas palavras, sofra a tua mãe em cujo ventre foste gerado?
Criei-te para seres superior ao comum dos mortais na coragem, na força e na altivez. Não te criei para seres superior no ódio ao teu próprio povo.
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Foste tu que me criaste tal como eu sou. Assim como o escultor que moldou o lares e os penates cuja memória, inspiração e proteção guardas no altar da tua casa, assim fui eu moldado por ti, mãe. Eu sou a tua obra e a obra dos teus antepassados cuja memória está em ti como a força que te conduz. Conduziste-me também até aqui, até ao desprezo e ao ódio àqueles que sempre defendi derramando o meu próprio sangue, porque o meu sangue é o sangue deles, a minha voz é a sua voz, a minha terra é a sua terra sagrada cujos limites forma estabelecidos por ordem dos deuses. Queixas-te daquele que tu própria criaste. Queixas-te da tua própria obra.
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Embora há muito tenha depositado os brinquedos no altar dos deuses protetores, neste momento eu sou o teu frágil menino mãe, o que te abraça e chora contigo mãe. Mais alta que a pátria e os seus senadores, mais alta que os deuses e os seus sacerdores.
Morreu o teu esposo mas tu foste pai e mãe que fez da solidão um campo de batalha. E tu triunfaste sempre da solidão.
Mãe da vida mãe da morte mãe do amor mãe da dor mãe da fortuna mãe da desgraça mãe da alegria mãe do sofrimento mãe do amparo mãe do alheamento mãe da memória mãe do esquecimento mãe do socorro mãe do abandono mãe do sucesso mãe da perdição mãe do riso mãe das lágrimas mãe do lar mãe da terra mãe mãe da fertilidade mãe da esterilidade mãe da vitória mãe da derrota.
Mãe da ajuda, mãe dos desamparados, mãe auxiliadora, mãe das flores, mãe do bastão, mão da conceição, mãe da consolação, mãe da carpição, mãe desatadora de nós, mãe da soledade, mãe da esperança, mãe dos montes, mãe das fontes, mãe dos mares, mãe da luz.
Mãe do bom conselho, mãe do bom socorro, mãe da boa esperança, mãe da boa viagem, mãe da boa morte, mãe coroada de louros.
Mãe dos mártires e mãe medianeira, mãe da glória e mãe da humilhação: ambas estão lançadas agora sobre o teu próprio filho para teu triunfo.