Parafraseando Sofia de Mello Breyner, a primeira das virtudes de uma nação é a Justiça. Ora, se olharmos para Portugal, vemos uma nação sem a virtude da Justiça.
Não pretendemos fazer aqui um diagnóstico da Justiça no nosso país. Este jornal não seria suficiente. Pretendemos apenas identificar muito sinteticamente as causas do estado da (in) Justiça em Portugal.
A primeira delas é o frenesim legislador do Governo.
Cada Ministro preocupa-se, antes de mais, em colocar o seu nome em leis que, pensa ele, iram salvar a Justiça, porque os que estiveram antes no lugar não tiveram a sua clarividência legisladora.
E é assim que, em vez de se fazerem cumprir as leis que existem, os ministros da Justiça se preocupam em fazer novas leis, piores ainda que as anteriores.
Exemplos disso foram o Código de Processo Penal de Laborinho Lúcio, que instalou o caos na justiça penal, e, mais recentemente, a reforma da Acção Executiva da autoria da dupla António Costa/Celeste Cardona, que instalou o caos nas execuções, isto é, no fazer cumprir o direito.
A fúria legisladora do actual ministro também não augura nada de bom.
A segunda causa do caos na Justiça é a ausência de sanções pelo incumprimento dos prazos por parte de magistrados e funcionários judiciais.
Se os prazos para estes operadores da Justiça são curtos ( e em alguns casos são) que se alarguem.
Mas o que não é aceitável é que os advogados tenham sanções pesadíssimas se não cumprirem prazos, e magistrados e funcionários judiciais não terem quaisquer sanções pelos mesmos motivos, quando, frequentemente, o não cumprimento dos prazos pelos magistrados e funcionários é muito mais gravoso para os cidadãos do que o seu não cumprimento pelos advogados.
A terceira causa é a quase nula importância que se dá às decisões precedentes na nossa justiça, ao contrário do que sucede na justiça anglo-saxónica. Não se compreende que a jurisprudência dos tribunais supremos não deva ser seguida obrigatoriamente pelos juízes dos tribunais inferiores, e estes se dediquem a inovar as decisões judiciais tanto como os ministros se dedicam a legislar.
A Justiça perde por isso dois bens supremos: a certeza e a credibilidade. Porque dificilmente se entende que numa secção de um tribunal um juiz decida uma questão de direito num sentido, e na secção ao lado outro juiz decida a mesma questão em sentido oposto.
E perde ainda um terceiro bem, a celeridade. Porque se os magistrados dos tribunais inferiores se limitassem a aplicar a jurisprudência precedente dos Supremos Tribunais, já muitos juízes não teriam a tentação de fazer ciência com a vida dos cidadãos. Algo parecido com a tentação dos ministros ao fazerem leis
É claro que há muitas mais razões deste caos instalado na Justiça, razões essas que levam a que haja processos com quinze e vinte anos a correr em tribunal, e sentenças por proferir há dez anos.
Quisemos apenas dar as três razões mais evidentes deste caos, que, felizmente, tem raras mas honrosas excepções.
Talvez algum ministro leia este editorial, e medite um pouco na evidência do que aqui vai escrito, para que haja justiça em Portugal.
Porque uma coisa os ministros não ignoram: se houvesse justiça em Portugal, o Produto Interno Bruto cresceria cerca de 10% (dez por cento!). O caos na Justiça leva a que, na ausência de sanções para quem não cumpre, a maioria dos cidadãos e empresas também não cumpra as suas obrigações porque só ganha com isso.
Por exemplo: uma empresa que não pague a outra empresa paga juros de cerca de 9%. E um particular de 4%. Mas, se recorrerem à banca, pagam juros que em alguns casos são superiores a 20%. Então não é melhor financiarem-se através dos fornecedores?
A falta de Justiça não é apenas injusta: torna também o país mais pobre.